Lá em São Marcos, os vereadores querem instituir o Dia do Tortéi. Simpático. O mundo está cheio de problemas, por que não se dedicar, vez em quando, às coisas boas e amenas da vida? Educação, saúde e segurança podem esperar um pouco mais. Já esperaram tanto...
Eu mesmo sou um entusiasta de tortéis, mas ninguém é mais do que o meu filho. Isso que ele nunca provou o de São Marcos, que deve ser especialíssimo. Aí está um projeto para quando formos ao Brasil: vamos comer o melhor tortéi que pode ser feito em São Marcos, que, obviamente, será o melhor do mundo, visto que São Marcos é a capital torteliana do universo.
Fiquei pensando. Por que não homenagear outras tantas comidas sem galardão? Por exemplo: suponho que com R$ 10 se possa adquirir um alentado cacho de bananas, uma dúzia de ovos caipiras e um pão semolina de meio quilo. Bem. Ocorre que, com esses ingredientes, já me alimentei por uma fieira de 25 dias: pão com banana nos dias ímpares e pão com ovo nos pares. Para acompanhar, punha uma colherada de Nescafé e três de açúcar numa caneca, acrescentava oito pingos d'água e batia. Batia, batia, batia, até transformar a mistura em uma pasta da cor da pele da Juliana Paes em fevereiro. Então, derramava água fervente por cima. Ah, fica um café cremoso que você bebe de olhos fechados.
Poderia haver, portanto, o Dia do Pão com Ovo, num preito aos assalariados de baixa renda.
Por alguma razão, os líquidos são tratados com muito maior deferência pelos humanos. O vinho, o uísque e o champanhe têm devotos exigentes. A cerveja tinha até uma deusa, na velha Suméria. Chamava-se Ninkasi. O deus cervejeiro é Gambrinus. Se você for ao Restaurante Gambrinus, de Porto Alegre, verá, na parede, uma pintura que representa o deus. Contou-me o Antônio, antigo proprietário do restaurante, que essa pintura está ali desde que o Mercado Público que o abriga foi erguido, no século 19. Estava coberta por pinturas e repinturas, e ele a descobriu quando foi fazer uma reforma no local.
Se a cerveja tem deus e deusa, por que não a batata, por exemplo? No século 19, a Irlanda enfrentou a Grande Fome da Batata. Não era a batata que passava fome, mas os irlandeses, que ficaram sem ela por causa de uma praga que se abateu sobre o país. Desprovidos da batata, os irlandeses morreram aos milhares. Outros tantos emigraram para cá, para os Estados Unidos, onde fundaram alegres pubs nos quais se bebe Guiness e se come... batata.
Talvez por causa deles, irlandeses, a batata seja amada intensamente nos Estados Unidos. Todos os pratos vêm com batata, em geral frita. Curiosamente, os americanos chamam a batata frita de french fries, ou seja, fritas francesas. Deveriam ser irlandesas. Ou americanas mesmo.
A batata, pois, merecia seu dia. E a cidade da batata certamente é Nova York, que, por contradição, é chamada de Maçã.
Agora, o que me intriga é: qual é a comida típica de Porto Alegre? Não é o xis, sei que Santa Maria já reivindicou esse título. Qual é, então, o prato da capital de todos os gaúchos?
Eu, como porto-alegrense, me inquieto com isso. Será que os vereadores e o prefeito concordariam em nos transformar na sede do maior prato de resistência dos que passam por dificuldades financeiras? É coerente com o momento da cidade. Ajude-me, leitor conterrâneo. Vamos imitar São Marcos e fazer de Porto Alegre a capital mundial do Pão com Banana. Com essa crise, é o que nos sobra.