O Dirceu Russi postou, na página dele, uma foto de um sanduíche aberto e escreveu que o fazia em minha homenagem e a seus pais, que o ensinaram a gostar desse acepipe. Fiquei emocionado. Por ter sido citado pelo Dirceu, sim, mas também pela apetitosa imagem daquele sanduíche aberto.
Era um sanduíche aberto de beleza tradicional. Via-se, na foto, o frescor do pão cortado em pequenos retângulos e, sobre eles, delgadas tiras de lombinho de porco e, acima delas, ora a rodela de tomate, ora o breve pepino, ora o queijo e também... ah... também o ovo cozido.
Tenho de discorrer, aqui, acerca do ovo cozido. É um pitéu dos reis. Ou, pelo menos, dos príncipes. Charles, príncipe que é, adora comer ovo cozido depois das caçadas. Só que não é qualquer ovo cozido: tem de ser o ovo cozido PERFEITO. Assim, premidos por essa exigência real (ou principesca), os cozinheiros do palácio se esmeram: preparam sete ovos com cozimentos diferentes e os dispõem, perfilados e numerados, em uma mesa à espera do príncipe. Ele chega, quebra a casca do primeiro e o examina com seu olho treinado de velho comedor de ovos. Se estiver no ponto certo, é aquele ovo que descerá pela nobre goela até o fidalgo estômago; se não estiver, ele seguirá tentando, até encontrar o ovo PERFEITO.
Vejam como é importante o ovo.
Suponho, porém, que Charles goste do seu ovo cozido como gosto: com a gema mole e a clara dura, façanha difícil de ser alcançada. Minha experiência ensina que esse ovo tem de permanecer em água fervente por exatos 2,7 minutos. Atingido esse limite, haverá de ser retirado da caneca de alumínio (sim, tem de ser uma caneca de alumínio) e posto sobre seu troninho de bronze, onde ficará aguardando pelo sortudo que lhe quebrará a casca delicadamente, deitar-lhe-á uma pitada de sal e o comerá num suspiro de satisfação.
Esse é o ovo cozido matinal, ótimo também para repor as energias depois da extenuante caça à raposa, exercício que um dia nós teremos que fazer, aristocrata leitor.
Não é, no entanto, o ovo cozido do sanduíche aberto.
O ovo cozido do sanduíche aberto tem de ser todo ele sólido, da clara à gema. Cortado em fatias de meio centímetro de espessura, servirá para dar sabor especial àquela combinação harmônica entre o pepino, o queijo, o tomate e, claro, o lombinho de porco.
Aliás, sou um admirador tão devotado do lombinho de porco, que já tive um com meu nome. Verdade!
Aliás, sou um admirador tão devotado do lombinho de porco, que já tive um com meu nome. Verdade! E foi no bar que era, exatamente, do Dirceu Russi. O gerente do antigo Jazz Café, o bom Atílio Romor, escreveu no cardápio em letras que talvez não fossem, mas que me pareceram douradas: "Lombinho à David Coimbra". Meus amigos brincavam:
– Vamos comer o lombinho do David!
Tudo bem, seus invejosos, isso não é para qualquer um. Pena que não guardei nenhum daqueles menus do Jazz Café.
Mas, voltando ao sanduíche aberto, já contei aqui que este é um prato típico de Porto Alegre. Talvez a única invenção culinária porto-alegrense, além do xis-tudo com ovo. E isso é algo que me toca, eu, que nasci no Cristo Redentor. Por essa razão, talvez faça um sanduíche aberto neste fim de semana.
Tenho cá um bom lombinho de porco. Temperá-lo-ei com alho, pimenta do reino, sal e, por que não?, um pouquinho de nada de molho shoyu. Ele ficará imerso nessa alquimia por algumas horas e, depois, será levado ao forno. O pão, eu o cortarei com precisão em pedaços de três por quatro centímetros. Não maiores nem menores. Já separei também o queijo, os pepinos, os tomates e, é claro, o ovo que será cozido. Só vou retirar minhas garrafinhas de Sam Adams do congelador quando elas estiverem prestes a ficar branquinhas por fora, sem que congelem por dentro. Tudo, então, estará pronto, inclusive a poderosa mostarda amarela que comprei outro dia ali no Trader Joe's. Chamarei a Marcinha e o Bernardo. E passaremos pelo menos uma hora conversando sobre as estátuas do Laçador e do Gaúcho Oriental, sobre o Grêmio e o Inter, sobre a Feira do Livro e o IAPI, sobre a escadaria da Fernando Machado e também sobre todos os nossos bons amigos que, naquele exato instante, estarão na nossa cidade, talvez reclamando da violência ou, quem sabe, dos buracos das ruas ou da grama dos canteiros que nunca é cortada, ou talvez não, talvez eles também estejam conversando suavemente, rindo, brincando, se divertindo. Juntos.