Os saudosos da ditadura militar gostam de pensar nos cinco anos do governo Médici como um tempo dourado. O Brasil crescia a mais de 10% ao ano e se desenvolvia como uma China depois de Deng Xiaoping ter decretado que "enriquecer é glorioso". Havia tanto emprego, que as empresas disputavam os melhores funcionários como os clubes de futebol disputam centroavantes. O BNH financiava generosamente moradias populares, o crédito educativo pagava a universidade dos mais pobres e as obras de infraestrutura se multiplicavam por todo o país. Era o Milagre Econômico.
Mas, no governo seguinte, o de Geisel, estourou a crise do petróleo, os empréstimos externos secaram e a inflação e a dívida do país começaram a crescer sem parar, até que, nos anos 1980, os produtos no supermercado tinham dois aumentos por dia. Os salários eram corrigidos de duas em duas semanas, mas não adiantava: os preços estavam sempre na frente. Quem viveu aquela época sabe a tortura que foi.
Delfim Netto disse, mais tarde, que Geisel havia sido o responsável por quebrar o país, mas a verdade é que o plano de desenvolvimento fora frágil em setores estratégicos, como o da educação básica, por exemplo. Submergida na ignorância, como diria Brizola, grande parte da população brasileira não reunia condições de se transformar em mão de obra qualificada ou de alimentar o mercado consumidor, como deve ocorrer em uma economia saudável.
O problema do Brasil era, e continua sendo, estrutural. É verdade que Geisel não tomou precauções a respeito dos movimentos internacionais, como os do Oriente Médio, mas ele não foi o único culpado pelo fracasso. Foi um fracasso do sistema, não de um único personagem.
O mesmo se poderia dizer a respeito de Dilma. Ela errou bastante, sem dúvida, mas não se pode atribuir apenas a ela toda essa crise profunda, ampla e densa. Faz tempo que o Brasil erra.
Brizola, que citei acima, era equivocado acerca de muitas coisas em que acreditava, mas no principal ele estava certo: as crianças. O Brasil precisava e ainda precisa tornar as crianças sua prioridade número 1. E também a 2. E a 3.
Lula e Médici eram populistas, usavam o futebol para se aproximar do povo, apostaram em estratégias desenvolvimentistas e, sobretudo, na indústria automobilística.
Fazendo essa análise, é interessante notar como os personagens e os períodos a que me referi se assemelham. Sem entrar na questão política, sem falar em regime, tortura, censura e outros que tais, repare que Médici e Lula eram ambos populistas, usavam o futebol para se aproximar do povo, apostaram em estratégias desenvolvimentistas e, sobretudo, na indústria automobilística. Ambos alcançaram sucesso econômico por algum tempo e saíram do governo com popularidade. E seus sucessores, Geisel e Dilma, eram menos hábeis politicamente do que eles e foram responsabilizados pela derrocada na economia.
Nada evoluiu muito, no Brasil, com exceção de alguns pontos positivos: a consolidação da democracia, o Plano Real, as eleições de um operário e de uma mulher para a Presidência e a Lava-Jato.
Nesta quarta-feira (24), Lula, um dos personagens mais importantes desta história, irá a julgamento em decorrência da ação da Lava-Jato. Condenado ou absolvido, ele continuará no centro das discussões da eleição deste ano. E é isso que me preocupa. Olhe para o Brasil: falta energia elétrica de 15 em 15 dias, os Correios funcionam mal, as estradas são precárias, há pelo menos 12 milhões de desempregados, professores e até policiais entram em greve a todo momento, as escolas públicas e os hospitais estão arruinados, os traficantes tomaram conta das periferias das cidades e as pessoas sentem medo de sair à rua.
O Brasil não está dando certo.
E não há, em pauta, um único projeto sério de nação. Só o que se vê é um debate rançoso e adolescente de "eles" contra "nós", sem que se apresente a mais pálida ideia estrutural de país. Desde Médici e Geisel, nada realmente mudou. Como diria Drummond, há muita rima, e nenhuma solução.