
No dia 1º de novembro de 2010, publiquei um pequeno texto debaixo do título "Mundo Novo". O seguinte:
"Hoje Dilma Rousseff acordou presidente eleita do Brasil.
Ou presidenta, como aceitam alguns menos puristas.
O Brasil tinha um operário como presidente, agora terá uma mulher.
Mais: uma mulher que jamais foi eleita para qualquer outro cargo em sua vida política. Saiu da coadjuvância direto para o papel principal.
Nos Estados Unidos, quem governa é um negro, realizando a ficção que Monteiro Lobato compôs no começo do século passado. Mesma época, aliás, em que Monteiro Lobato previu que o solo do Brasil era prenhe de petróleo, e por isso foi encarcerado pela polícia.
Hoje começa a semana de Paul McCartney. Daqui a seis dias, haverá um beatle em Porto Alegre. Lembro daquela bela música do Tavito, Rua Ramalhete, que perguntava: 'Será que algum dia eles vêm aqui, cantar as canções que a gente quer ouvir?'. Não é que um deles virá???
Uma mulher presidente do Brasil, um negro presidente dos Estados Unidos, o petróleo prestes a jorrar como se fôssemos a Arábia Saudita, um beatle entre nós. O mundo está mudando. Para melhor".
O mundo mudou, como se viu de lá para cá. E minha opinião continua a mesma. Ainda acho positivo que negros, operários e mulheres se elevem aos cargos mais altos do poder, porque rompe com antigos paradigmas de discriminação. No entanto, ser negro, operário ou mulher não é, por si, garantia de competência ou de honestidade, como está provado de sobejo no caso brasileiro.
Em 2010, eu poderia ter percebido que aquelas mudanças não eram tão alvissareiras. Afinal, o segundo governo Lula já havia terminado e ninguém se enganava de que ele sabia de tudo a respeito do mensalão, embora a responsabilidade tenha desabado inteira sobre José Dirceu. É que eu tinha esperança. O início do primeiro governo Lula foi bom – ele manteve a política de responsabilidade na economia e melhorou o Bolsa Família. "Está feita a base", pensei. "Agora, com menos pressão e apoio até internacional, Lula vai poder fazer as reformas que vão transformar o Brasil em uma nação."
Que reformas eram essas? Foco na educação básica, em vez da universitária; transformação da federação nominal em federação de fato; mudança da lógica tributária, entre outras tantas na saúde, na Previdência etc. Lula poderia tê-las feito. Ele era dono do Congresso, até porque, como provara o mensalão, o comprara.
Mas Lula não fez. Limitou-se a singrar nas águas calmas da prosperidade econômica trazida, sobretudo, pelo crescimento chinês, e capilarizar alianças. Então, naquele fim de 2010, acreditei no que grande parte do Brasil acreditou: Lula havia delegado o trabalho para uma gerentona competente e séria.
Em Dilma, confesso, confundi rudeza com seriedade. Quanto à competência, ela não poderia tê-la. Não na função que exercia. A presidência da República é um cargo eminentemente político e Dilma sempre atuou no setor público sem jamais ser política.
Mas em Dilma, confesso, confundi rudeza com seriedade. Quanto à competência, ela não poderia tê-la. Não na função que exercia. A presidência da República é um cargo eminentemente político e Dilma sempre atuou no setor público sem jamais ser política. Dilma não é de conversa, não é de negociação.
Dilma, se soubesse o que devia fazer, não faria, porque não saberia como. Lula, se soubesse o que devia fazer, não faria, porque não queria. Nunca quis. Lula queria apenas o poder, trabalhou apenas para manter o poder. Iludiu a população mais pobre, dando-lhe migalhas. Promiscuiu-se com os mais ricos, dando-lhes privilégios. Amasiou-se com o que há de pior na política brasileira, de Collor a Maluf, passando por Calheiros e Sarney, não para evitar que o sabotassem, mas para com eles se refocilar. Poderia ter cimentado as estruturas do país; arrastou-o para a ruína. Ou alguém acredita que uma crise de tais dimensões se faz em dois ou três anos? Lula cevou a crise. Começou como esperança de consagração da democracia brasileira; terminou como sua maior tragédia.
Não é apenas a grossa corrupção de seus governos e seu relacionamento espúrio com empreiteiros que torna Lula a maior decepção da República desde Deodoro. Não é apenas sua ação. É sua inação. Sua omissão. Sua cínica malandragem, enaltecida por seus crentes, tão típica de um Brasil que precisa mudar. E que, como previ, está mudando.
Em 2010, pensei que o êxito de Lula seria o símbolo de um mundo novo.
Talvez seu malogro o seja.