Como a vida na Terra evoluiu a partir de um organismo de uma só célula é uma das principais perguntas da ciência. E essa é uma das questões que Cassandra Extravour, hoje na Harvard, tenta responder, após o grande impacto que seu trabalho sobre a competição de células germinativas – aquelas que formam óvulos e espermatozoides – teve na biologia.
A mutação e a seleção são premissas centrais da biologia evolutiva. Apesar disso, por décadas os cientistas acreditavam que existia um programa fixo para a formação de gametas. Cassandra, em seu doutorado, pensou diferente. Por que, se existem mutações nessas células germinativas, elas não podem também competir entre elas na hora de formar os gametas que irão, no futuro, gerar os melhores descendentes? Hoje, isso pode parecer óbvio. Mas, há alguns anos, antes da montanha de informação gerada pelo avanço das tecnologias de sequenciamento gênico e análise de dados, a interação de células do corpo com o ambiente, como as bactérias que nos habitam, não era considerada uma possibilidade.
Pensar diferente é fundamental em ciência. Cassandra é uma mulher negra, filha de imigrantes caribenhos e, para completar, uma soprano lírica com formação clássica, que canta com a Sinfônica de Boston. Muitas vezes, ela é a única ou a primeira mulher negra a...
Cassandra diz que isso é menos uma reflexão de seu trabalho em si e mais da baixa diversidade que ainda existe na academia. Nossa profissão, sempre digo a todos, é uma profissão de aprendiz. O mentor escolhe quem vai mentorear. E, naturalmente, existe o viés de escolher alguém parecido consigo. Isso é algo mundial: se a academia pretende ser relevante para a sociedade e, ouso dizer, mesmo para a ciência, é necessário estabelecer e colocar em prática políticas internas que tragam a diferença para dentro da comunidade acadêmica. Buscar o diferente, porque isso trará o pensamento diferente. E assim diminuirá paulatinamente o medo de pensar diferente do conhecimento estabelecido. Porque é só admitindo que algo que se considera verdade talvez não seja a verdade completa que poderemos avançar nessa busca.
Isso não significa buscar só números, e sim criar mecanismos para tornar as qualidades desejáveis de um cientista (inteligência, curiosidade, criatividade, determinação, resiliência) serem mais importantes que sua aparência, procedência ou estilo de vida.
Cassandra admite que sua escolha de treinar na Europa foi consciente: viver nos EUA é estar sob uma constante pressão de pesada divisão racial. Mesmo hoje, professora na Harvard, ela é muitas vezes direcionada para a entrada de serviço. Afirma que não ocupa seu cérebro com isso porque este vive de ciência e de música. Segundo ela, conciliar as duas coisas pode ser tanto um desafio quanto uma benção. Pode significar levar os experimentos com moscas-da-fruta na bolsa durante um concerto, ou conciliar horas de matemática com exercícios vocais. Mas faz parte da sua opção de vida de não deixar a beleza e a ciência de lado jamais.
Sofro em pensar quantas pessoas com essa energia não estão na universidade. Se não mutarmos nosso DNA na academia, não sobreviveremos à seleção dos tempos.