Se uma empresa lhe oferecesse R$ 15 mil para ser infectado com o vírus da dengue, você aceitaria? Por que alguém faria isso? – você pode perguntar. A empresa está testando uma nova droga antiviral, você toma a droga e se deixa infectar com o vírus. Não, não é ficção científica. A Janssen está hoje conduzindo esse tipo de teste, chamado de desafio em humanos, em 31 voluntários.
A pesquisadora líder, Anna Durbin, já liderou e lidera hoje dezenas de outros estudos clínicos, com diferentes metodologias, principalmente em vacinas. Foi ela que, com o colega Steve Whitehead, desenvolveu a vacina atenuada da dengue hoje testada no Brasil pelo Butantan e pela Merck no resto do mundo.
Anna, hoje na Johns Hopkins University, é sem dúvida uma das maiores especialistas em dengue. Para ela é claro que o desenvolvimento de uma boa vacina não é excludente do desenvolvimento de um bom medicamento antiviral – o ideal é ter ambos. Vimos isso recentemente na pandemia: antes de existirem vacinas, foram desenvolvidos anticorpos monoclonais que diminuíam a replicação viral e ajudaram principalmente as pessoas imunodeficientes até surgirem as variantes virais. Então, uma droga antidengue seria útil para alguém de uma região do mundo em que o dengue não é comum viaja para um país como o Brasil, por exemplo. Seria algo preventivo, caso a pessoa não tenha sido previamente vacinada. Para países onde o vírus e o mosquito são abundantes, o melhor é vacina – pela amplitude de alcance. Mas não quer dizer que um antiviral não seja bem-vindo. A droga provavelmente vai ser mais cara, mas isso não deveria impedir seu desenvolvimento, se ela realmente for eficaz.
A droga em teste pela Janssen é a primeira da história para dengue. Nos EUA, testes de desafios em humanos são comuns. Os voluntários concordam em participar e receber uma compensação financeira. Eles são acompanhados por médicos. A linhagem de dengue utilizada no estudo causa uma doença branda e carga viral baixa.
A droga – em três doses diferentes – ou o placebo são fornecidos oralmente por três dias e, então, o voluntario é infectado.
A quantidade de vírus e os sintomas são mensurados diariamente. Seis de 10 pacientes que tomaram a dose mais alta não mostraram nenhum sintoma, os outros quatro mostraram sintomas leves. Esse resultado foi determinante para a Janssen manter outro estudo clínico mais amplo – conduzido no Brasil, Tailândia, Peru, Filipinas e Colômbia – em que a droga é fornecida para quem reside com alguém que contrai dengue naturalmente. Quem conhece a doença sabe que a infecção de quem mora com alguém que se infecte pelo mosquito é inevitável. Esse estudo tem uma logística muito mais complexa. A empresa já teria abandonado a droga sem os resultados do estudo conduzido por Anna.
No Brasil, esses estudos são proibidos. Mas, se o voluntário for devidamente amparado, eles têm um importante potencial de resolução, que merece ser considerado. O que você acha?