Dois matemáticos e uma microbiologista entram num bar. Na Suíça. O primeiro matemático fala que está precisando de cientistas com ideias disruptivas para o campo de câncer. A megaempresa multinacional europeia para a qual ele trabalha sabe a importância da diversidade para a renovação das ideias, para trazer novos dados. (Antes que você estranhe, saiba que muitos matemáticos trabalham atualmente na indústria farmacêutica. A complexidade dos problemas nas ciências biomédicas é tamanha que apenas com modelos matemáticos conseguimos interpretar os dados que hoje coletamos, em uma velocidade estonteante.)
O segundo matemático, professor de uma universidade suíça, sugere a caça de talentos fora da Europa. Especialmente o Brasil, pois ele – que é brasileiro – sabe a quantidade de talento científico existente aqui. Ele se vira para a microbiologista, carioca, e pergunta: “Conseguimos chamar um grupo de cientistas brasileiros que trabalham em câncer para apresentar projetos para essa farma?”. Em uma atitude tipicamente brasileira, ela responde: “Não é minha área, mas posso falar com colegas que trabalham com isso e reunir um grupo”.
Em duas semanas, foi organizado um evento eletrizante no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), no Rio de Janeiro. O Instituto Serrapilheira apoiou financeiramente – também agindo de forma relâmpago. E lá, colados na mata atlântica, cercados por sinuosas esculturas representando a fita de Moebius, um grupo de brasileiros mostrava à indústria sua excelência em imuno-oncologia.
Tive o prazer de ouvir projetos sensacionais de colegas que trouxeram uma efervescência intelectual muito maior do que a dos últimos eventos de câncer dos quais participei no Exterior. Resolvi escrever contando isso porque, apesar de ser lindo, me trouxe uma tristeza que ainda estou tentando sacudir. Primeiro, porque as indústrias internacionais já sabem há tempos disso, enquanto as nacionais seguem ignorando sumariamente esse potencial. Da mesma forma, o poder público não tem nenhum conhecimento, nem plano, sobre como isso importa e deveria se incorporar à economia nacional. Mais uma tristeza: ver que esses incríveis colegas estão concentrados no Rio e em São Paulo, indicando que setores públicos e privados estaduais fora desse eixo também estão alheios a essa inteligência borbulhante e com gigantesco potencial financeiro.
Se você não consegue sensibilizar pessoas com tratamentos inovadores para o câncer, o que esperar de apoio para a emergência climática? Sim, a situação não é piada – eu gostaria muito que fosse diferente. Me diga, se depender de você, os tratamentos de ponta continuarão a vir caríssimos da Europa e dos EUA, enquanto nos ocupamos com uma economia de commodities? Dependendo da chuva? Difícil. A inteligência nacional, como o próprio matemático Artur Avila, soluciona problemas internacionais – e o fato de que o empresariado e o governo daqui não movem um dedo para entender isso escancara uma dúvida sobre a sua própria competência.