Se você for diagnosticado com covid-19, o que fazer? Ficar em casa? Quantos dias? Será que se usa máscara em casa? Se não usar, vai infectar todo mundo que mora com você? Quanto vírus você emite só por respirar? E se alguém que mora com você for exposto, será que se infecta? Isso depende ou não da idade, de imunossupressão, enfim. Quantas perguntas. Que começaram durante a pandemia e ainda persistem.
Atualmente, as recomendações para uma população que já é praticamente toda vacinada vêm evoluindo – baseadas em evidências principalmente indiretas. As medições que embasam essas diretrizes foram todas realizadas em pessoas que sabidamente contraíam o vírus. Mas e se você pudesse realizar um estudo em que propositalmente infectasse as pessoas com exatamente a mesma quantidade de SARS-CoV-2, será que todas contrairiam a doença? E se oferecessem para você participar desse estudo, você aceitaria? Mesmo com risco de contrair covid longa?
Um grupo da organização irlandesa Open Orphan criou um sistema de estudos clínicos em que pessoas são deliberadamente infectadas com vírus respiratórios. É. Pegou toda a comunidade científica de surpresa. Muitos acham esse tipo de estudo com “desafio em humanos” altamente antiético. Mas passou nos comitês de ética, e o governo do Reino Unido pagou a eles 10 milhões de libras para realizar um estudo controlado, conduzido numa unidade especial do Royal Free Hospital, em Londres.
Os primeiros resultados, publicados no dia 9 de junho, no Lancet Microbes, mostram o quão imprevisível pode ser a variação de sintomas e a transmissibilidade da doença. Foram informadas, consentidas e inoculadas 34 pessoas jovens com a mesma quantidade de vírus, no nariz. Dessas, 18 desenvolveram infecções e ficaram duas semanas confinadas ao quarto do hospital. A cada dia, os pesquisadores mediam níveis de vírus no nariz e na garganta, no ar e nas mãos e superfícies do quarto. Sabemos que a severidade da covid-19 adquirida naturalmente varia dependendo da rota de transmissão e da variante viral, bem como a quantidade de vírus a que a pessoa é exposta. No estudo, tudo isso era controlado. Dos 18 participantes que contraíram a doença, dois produziram mais de 86% da quantidade total de vírus no ar medido no estudo – e tinham sintomas muito leves.
Já se sabia que existiam “superespalhadores” devido a estudos anteriores – mas este estudo mostrou que eles são “superprodutores”. Antes não sabíamos se os “superespalhadores” eram apenas pessoas com muitos contatos sociais. Os testes rápidos só davam positivo após a pessoa emitir níveis detectáveis de vírus no ar, e poucas tinham vírus detectáveis em suas mãos ou máscaras. Quando o teste positivava, a pessoa já tinha algum sintoma leve – mostrando seu valor como ferramenta epidemiológica. Como estão todos vacinados, a probabilidade de covid longa é baixa. A discussão ética continua, e o estudo também – agora com as variantes virais mais recentes.