Tenho ouvido de diferentes amigos, tanto cientistas como não cientistas, o quão aterrorizados estão com a possibilidade de a inteligência artificial (IA) evoluir a um ponto que cause a extinção dos seres humanos. Quando me perguntam o que eu acho, respondo que ainda não pensei no assunto – e é verdade.
No meu trabalho, o uso de IA virou rotina em todos os aspectos. Impressionante como isso mudou: não existe hoje mais nenhum experimento ou projeto que eu desenhe que não envolva IA em praticamente todos os aspectos. E a gente tem que correr para aprender como usar, porque muda rapidamente. Quando acho que aprendi algo, já há um programa ou processo novo – e melhor.
E ainda estou me divertindo tanto com isso que de fato não pensei mesmo. Hoje, quando uma amiga me cobrou uma posição – “Tu que usas tanto tens obrigação de pensar nisso” –, pensei um pouco e respondi que há coisas que me aterrorizam mais. Por exemplo, ao abrir o site da revista Nature ontem, fiquei chocada em ler que a Índia revisou todos os livros escolares deste ano. Nos novos livros, as partes que falam sobre evolução e sobre a tabela periódica, entre outros temas, foram totalmente retiradas.
Li o artigo e outros que confirmavam isso várias vezes. Tenho inúmeros colegas indianos, profissionais incríveis. A Índia é um país com pelo menos cinco Prêmios Nobel em Ciências (Física, Química ou Medicina), sem falar nos de Humanidades; ao menos uma Medalha Fields de Matemática. Dos países dos Brics, a Índia é certamente o segundo mais forte em tecnologia. Como conciliar essas mudanças com a cultura que conheço do povo indiano? Ou com as diretrizes educacionais do país, focadas em formar pensadores críticos? Ou o discurso do primeiro-ministro Narendra Modi de transformar a Índia em um país desenvolvido em 25 anos?
Essa alteração nos livros, aparentemente, foi feita sem consulta à população, apurei. Quem está por trás da ideia são os consultores do governo atual, a Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS). Essa é uma organização de extrema direita fundada há mais de cem anos, paramilitar e nacionalista, que defende que essa ciência foi feita por colonizadores, então é ruim para a Índia ensinar isso. Quando, na verdade, o que de mais maravilhoso poderia acontecer para um colonizador é que sua colônia não estudasse ciência.
Antes, eu ficava espantada que pessoas em organizações como a RSS conseguissem “duplipensar”, como cunhou George Orwell em 1984 – quando se acredita em duas verdades mutuamente excludentes. Hoje, me arrepio em saber que eles não acreditam nisso, mas vendem esse e outros absurdos para milhões de pessoas.
Lembro do personagem do Marlon Brando em Apocalypse Now falando “o terror, o terror”. O terror nem sempre são explosões e sangue, mas mudanças silenciosas como o que acontece hoje na Índia, quase aconteceu no Brasil e ainda pode acontecer. Não tem a ver com direita ou esquerda, mas com o que pessoas fazem com outras, agora e sempre.
Veja bem: por mais que tirem isso dos livros, nem a inteligência artificial escapa das leis que regem a evolução – o negócio está indo rápido mesmo. Mas, por enquanto, ainda não me tira o sono – vamos ver.