Em 2009, a biologia molecular já havia chegado ao Instituto de Perícias do Estado, o IGP-RS. Uma jovem perita me procurou no laboratório com uma pergunta para o mestrado. A questão era se o luminol, usado para revelar vestígios de sangue invisíveis ao olho humano, contribuía para degradar o DNA que era guardado como evidência. Os fãs de filmes policiais sabem que o uso do luminol é rotina. Perguntei se isso não estava especificado nas instruções de uso do produto. Ela respondeu que sim, mas que queria saber por ela mesma – queria ter certeza. Aceitei na hora.
O trabalho, publicado dois anos mais tarde na Forensic Science International, mostrava que sim, o DNA descoberto via luminol apresentava degradação a partir de alguns meses de armazenamento. Sempre uso esse exemplo para ilustrar como é importante o treinamento científico em qualquer profissional.
Na semana que passou, lendo a revista Science, lembrei desse episódio porque um aluno de outra cientista usou seu treinamento para reabrir e fazer justiça a um caso exemplar. Em 2018, um jovem advogado, que havia sido aluno da geneticista Carola Vinuesa – uma espanhola que trabalhava na Austrália –, ficou sensibilizado com um caso em que trabalhava. Uma mãe que havia sido condenada pelo assassinato de quatro filhos, todos ainda bebês, e estava encarcerada havia 20 anos. A mulher sempre dissera ser inocente, mas ninguém acreditara nela – quatro bebês! Estudando o caso, o jovem contatou a geneticista, sua antiga professora. Havia um mês, Vinuesa identificara uma rara mutação em gene que estava conectado à morte de quatro crianças na Macedônia. Vinuesa leu o processo e identificou em todas as crianças traços de uma infecção no momento da morte. Ela sabia que defeitos genéticos explicam mais de um terço das mortes súbitas em bebês – e que tais problemas muitas vezes se manifestam durante uma infecção. Pediu e obteve uma amostra do DNA da mãe, e por sequenciamento identificou uma mutação no gene CALM2 – da calmodulina. Defeitos nesse gene estavam associados com morte súbita, e se as crianças tivessem herdado esse gene isso poderia explicar as mortes. Em 2019, testou amostras dos bebês, e identificou a mesma mutação nas duas filhas, mas não nos filhos.
Na Itália, o colega Peter Schwartz, que estudara mutações em calmodulinas – e descrevera um caso em que duas crianças com uma mutação no gene haviam tido ataques cardíacos, com uma morte –, corroborava sua hipótese. Baseados nisso, pediram para reabrir o caso – o que foi negado. Vinuesa liderou então um time internacional de cientistas, que em 2020 publicou uma compilação desses casos. Um grupo dinamarquês publicou que mutações em calmodulinas provocavam falha cardíaca. Em 2022, o inquérito foi reaberto, agora com ampla evidência científica de que provavelmente essa mãe fora condenada indevidamente. E, na semana que passou, ela foi liberada.
Não apenas precisamos de mecanismos que incorporem o conhecimento científico na prática legal: precisamos do cientista que está dentro de todos nós. Nunca se sabe quando, mas ele vai fazer a diferença.