Nesta semana, foi aprovada para uso nos EUA a primeira vacina para o RSV (vírus sincicial respiratório) da história. Essa vacina, que levou mais de 10 anos para ser desenvolvida, foi a que inspirou o desenho das vacinas para o SARS-CoV-2 durante a pandemia. Conto aqui essa história porque muitos acham erroneamente que as vacinas da covid-19 surgiram do nada e, por isso, não podem ser boas.
O RSV é um vírus que afeta principalmente bebês e idosos. No Rio Grande do Sul, é uma das principais causas de hospitalização – principalmente no nosso inverno. Em bebês prematuros, causa uma bronquiolite perigosa, que é tratada com anticorpos monoclonais – um tratamento muito caro.
Há quase 60 anos, pesquisadores do mundo todo trabalharam em uma vacina para esse vírus, sem sucesso. Uma das primeiras abordagens testadas foi aquela tecnologia que muitos acham ser a mais segura – a do vírus inativado – em que se cultiva o vírus e trata-se com um fixador para que ele não seja viável. Quando isso foi feito com o RSV, o resultado foi não apenas desastroso, mas trágico. Inativar o vírus dessa forma gerou uma resposta inflamatória que levou alguns vacinados a óbito. Muitas, senão a maioria das exigências para a aprovação de vacinas pelos órgãos regulatórios, foram criadas exatamente por causa desse desastre.
Aprendemos não apenas a ser mais exigentes, mas também que uma abordagem que é segura para vacinar contra um patógeno pode não ser boa para outro. É necessário conhecer a biologia do agente infeccioso para desenhar a melhor vacina. Nos anos 2000, enquanto ainda se trabalhava em uma vacina para o HIV, um jovem e brilhante estudante do National Institutes of Health (NIH) pediu ao seu orientador para trabalhar no problema do RSV. Era Jason McLelland, e seu orientador, Barney Graham. Jason gostava de trabalhar com as novas tecnologias de inteligência artificial que ajudam a visualizar a estrutura de proteínas. Ele observou que o RSV, para entrar nas células, usava uma proteína F que era formada por três cópias – um trimero – e a desmontava depois de entrar. E imaginou: se conseguir gerar uma resposta imune para a forma dessa proteína antes de o vírus entrar na célula, talvez se consiga atrapalhar a infecção. E olha que interessante: quando se usava o inativador daquela vacina desastrosa na proteína, ele desmanchava a estrutura da F. Nunca poderia ter funcionado, ele pensou. Então, conseguiu estabilizar o trimero, e começou os estudos vacinais. Mas, por anos, vacinas contra vírus não eram prioridade. Até que surgiu o SARS-CoV-2. Jason e Barney viram que a proteína S do novo vírus se comportava como a F do RSV – um trimero que se desmanchava. E propuseram o desenho da vacina da Moderna, que depois foi copiada pela Pfizer e outros – e o resto é história.
A nova vacina de RSV desenhada por Jason traz a solução que tantos buscaram por tantas décadas. Uma lição em engenhosidade e persistência para nós, e, esperamos, para aqueles que financiam pesquisa, por mais impossível que possa parecer.