Quando Katalin Karikó, com 20 e poucos anos, emigrou para os Estados Unidos, acreditava que teria as oportunidades que sempre dizem que aquele país tem. O pai dela era açougueiro na Hungria. Ela não conhecia cientistas, mas tinha decidido que seria uma. Contudo, rapidamente viu que a vida não era tão simples para uma mulher imigrante, cujo sonho era fazer uma descoberta científica que ajudasse o mundo.
Não recebia ofertas de emprego permanentes. E suas ideias não eram muito bem-aceitas pelos colegas. Ela trabalhava longas horas, sempre no laboratório de algum cientista mais sênior, e ganhava pouco. Na hora de apresentar seu trabalho, era muitas vezes criticada pelo tema obscuro e a intensidade das suas convicções. Karikó era fascinada pelo RNA. Seu objetivo era colocar essas moléculas em células de pacientes e, assim, reduzir tempo e dinheiro. Porque a produção de proteínas necessárias para uma terapia ou vacina é trabalhosa e cara.
Injetar o RNA para que as próprias células das pessoas produzissem as proteínas seria o ideal. Mas, vejam como é a vida, isso era muito difícil de se fazer. Impossível, alguns diziam. Porque acontece que nosso corpo tem muitas defesas contra o RNA que vier de fora dele. O RNA, que era então geralmente produzido em microrganismos, era rapidamente reconhecido por células e gerava uma resposta inflamatória intensa, sendo degradado. Como resolver esse problema? Karikó debruçou-se sobre todos os tipos de RNA. Na época, a imunologia mundial avançava para entender como era essa resposta inflamatória para o RNA. Talvez isso ajudasse em vacinas, achavam os imunologistas. Mas Karikó queria que o RNA durasse bastante tempo e produzisse muitas proteínas sem inflamar. Ou será que dava para controlar isso, e fazer ambos?
Em meio a tudo isso, perdeu seu laboratório. O colega da Universidade da Pennsylvania, Drew Weissman, ex-aluno de Anthony Faucci, chamou-a para trabalhar com ele – ele acreditava na ideia. Karikó notara que o RNA das próprias células não fazia com que elas inflamassem. E observou que a estrutura química do RNA das pessoas e dos micro-organismos era quimicamente diferente. Pensou: e se eu sintetizar o RNA da proteína que quero produzir usando a mesma estrutura química do RNA das células humanas? Isso resolveria o problema? Montou os experimentos, trabalhou junto com Weissman e mandou o artigo para a revista Nature – porque deu certo!
Para sua tristeza, o artigo foi rejeitado. Ninguém além de Drew Weissman parecia acreditar nos dados. Em 2005, o estudo foi publicado pela revista Immunity, e os resultados, reproduzidos por dezenas de grupos ao redor do mundo. E, 15 anos mais tarde, a ideia gerou as vacinas da Pfizer e da Moderna, protegendo milhões de pessoas da covid-19. Nesta semana, Karikó e Weissman ganharam o Nobel de Medicina. Parabéns para eles, e todos aqueles que persistem mesmo quando ouvem de todos que o problema que tentam resolver é impossível.