Quando falo que é preciso investir em pesquisa básica experimental, muita gente rola os olhos. Mas, em 2023, um único produto farmacêutico fez com que o mundo – e as bolsas de valores – focassem sua atenção na Dinamarca: a semaglutida, droga desenvolvida para tratar diabéticos, explodiu em vendas mundiais por seu principal efeito colateral ser a diminuição do apetite. Em um mundo em que 35% das pessoas são obesas, isso vale ouro.
De todas as grandes epidemias, talvez a obesidade seja a mais nefasta. Por milênios a natureza selecionou humanos mais inteligentes, que produziriam seu próprio alimento ao invés de percorrer longas distâncias para encontrá-lo. E, em seguida, inventariam máquinas para plantar, colher, produzir e transportar os alimentos produzidos. A massa corporal dos humanos aumentou proporcionalmente ao consumo de energia maior do que o gasto.
Mas consumir alimentos, exatamente por ser tão importante para a vida, tem um efeito neurológico potente de recompensa. O estresse diário clama por esse “prêmio” hormonal, levando muitos a um maior consumo, embora, paradoxalmente a cultura vigente discrimine as pessoas que engordam. E de carona com a obesidade vem a doença cardíaca e o câncer.
As primeiras drogas que diminuíam o apetite eram principalmente anfetaminas, com efeitos obviamente catastróficos não apenas no cérebro, mas também no fígado e no coração. A semaglutida vem de pesquisas em peixes que o endocrinologista Joel Habener pegava no porto de Boston nos anos 1980. Em seu laboratório, no Massachussets General Hospital, foi clonado o gene que codifica o hormônio glucagon – que, junto à insulina, regula a disponibilidade de glicose no sangue. Junto havia outra sequência que codificava um peptídeo que ficaria conhecido como GLP-1. Esse novo hormônio auxiliava na liberação de insulina, como mostrado em outro artigo de 1987 incluindo os jovens Svetlana Mosjov e David Druckner. Poderia, portanto, ser um tratamento para diabetes, o que foi confirmado em humanos.
Nos anos 1990, estudos em ratos mostraram que o GLP-1 diminuía o apetite – sugerindo potencial para tratar obesidade. Diferentes drogas foram testadas como análogas do GLP-1, mas foi o Ozempic, da empresa dinamarquesa Novo Nordisk, que incendiou o mercado por seu efeito na perda de peso. Mais importante: um estudo de 2023, no New England Journal of Medicine, mostrou que nos pacientes tratados o risco de ataques cardíacos e derrames foi 20% menor.
O que é meio óbvio, porque reduz a obesidade e, portanto, seus efeitos. Mesmo para os entusiastas, precisa ficar claro: mais de 50% do peso pode retornar quando se interrompe o tratamento; e há efeitos colaterais que podem incluir constipação e mesmo pancreatite. E, enquanto seguem as pesquisas para novas formas de GLP-1, não dá para deixar de pensar quantas soluções para problemas importantes estão esperando que mais pessoas invistam em ciência.
O mercado de GLP-1 é hoje maior do que o PIB da Dinamarca. Quem enriquece com a bolsa poderia pensar, nesta época de balanço, em devolver ao menos um pouco para o mundo – e melhorar a vida de todos, junto com a sua própria.