No fim de semana, finalmente assisti ao filme Oppenheimer. Eu já havia escrito aqui, neste espaço, que não queria assisti-lo porque ignorava as mulheres que trabalharam no Projeto Manhattan, mas não consigo resistir a ao menos dar uma espiada em qualquer coisa que envolva cientistas. Vou contar aqui por que gostei, e muito, do filme – tenho discutido isso com meus alunos no laboratório.
Primeiro, trata-se de um filme de mais de três horas de duração – praticamente uma minissérie. É um filme claustrofóbico, cheio de ansiedade. Acho que o diretor Christopher Nolan quis transmitir isso, algo muito próximo da realidade daqueles cientistas concentrados no deserto durante a guerra. Porque o projeto da bomba atômica trouxe a todos os envolvidos uma sensação esmagadora, em que duelavam constantemente a excitação de abrir uma fronteira definitiva no conhecimento e o desespero de saber que muitos morreriam por causa disso.
Muitos filmes tratam daquela época de modo ufanista, algo heroico – o que não pode estar mais longe da verdade. Algumas sequências são primorosos retratos da vida diária de um cientista. Em 1938, no dia em que publica seu artigo sobre buracos negros – novidade total na época –, Oppenheimer é desbancado pela notícia de que os alemães haviam dividido o átomo. Em choque, ele, físico teórico, retruca: “Impossível!” – e vai para o quadro negro escrever, por equações, o porquê. Ao mesmo tempo, o colega físico experimental corre para o laboratório dizendo: “Vou tentar reproduzir!”. E o faz. Essa cena é muito a nossa vida: por mais que teorias e ideias sejam lindas, nada importam à luz da evidência.
Outra coisa é como lidamos com a incerteza. Oppenheimer, após se consultar com Einstein, menciona ao General Groves (líder militar do projeto) que há uma pequena chance de a bomba gerar uma reação em cadeia que incendeie a atmosfera e destrua o planeta.
O general, lívido, pergunta o quão pequena era chance e ouve: “Próxima de zero”. E responde: “A gente prefere zero”. Oppenheimer nem se abala, segue conversando. Sempre calculamos os resultados possíveis e suas probabilidades. Bons cientistas sabem o quanto podem confiar na sua matemática, ou na de um colega – coisa que a maioria das pessoas, aprendi, sofre sem entender. Mas é parte do trabalho saber quando seguir e, também, saber quando parar.
Falando em incerteza, Heisenberg é retratado no filme, com seu trabalho na bomba da Alemanha nazista sendo seguido a distância pelos cientistas de Los Alamos. As informações secretas obtidas são suficientes para que entendam que Heisenberg, em determinado momento, fez uma escolha diferente da deles, e não estava, na verdade, desenvolvendo uma bomba, e sim um reator. Comemoram, pois haviam discutido isso meses antes. E é bem assim: pelo trabalho de outros sabemos o que eles pensaram, quando estamos trabalhando na mesma coisa.
Finalmente, o filme e mostra como a ciência influencia e é influenciada pela política e por políticos. Infelizmente, o principal papel feminino é da esposa – e não de Maria Mayer, que ganharia o Nobel por mostrar finalmente como era o núcleo atômico que foi fissionado em Los Alamos sem que Oppenheimer entendesse exatamente o que estava fissionando. É bem assim.