Algumas coisas a gente enxerga melhor com a distância. Filmes, livros e documentários sobre a Segunda Guerra, por exemplo, mostram aspectos que certamente na época não eram reconhecidos claramente. Foi um momento de traumas profundos, pessoais ou mesmo nacionais. As decisões e posturas de líderes políticos, muitos deles pensadores importantes do seu tempo, basearam-se em convicções filosóficas e culturais diametralmente opostas, afetaram decisivamente os destinos de nações inteiras, gerando pela primeira vez políticas mundiais.
E esse talvez tenha sido o legado daquela geração. O interessante é que os acontecimentos daquela era geraram também toda a obsessão tecnológica que será, com certeza, o legado da era atual. Somos uma geração pautada pelo avanço científico constante. E os dilemas e desafios serão também tecnológicos. Mudança climática, poluição, energia, inteligência artificial – tudo, como observado recentemente num artigo do Financial Times (FT), revolve ao redor da ciência. Que sugere, portanto, que esta precisa ser a última geração de políticos ignorantes em ciência.
Acho fundamental essa conclusão. Todos nós, hoje, vivemos nossas vidas em função da tecnologia. Absolutamente tudo o que fazemos envolve uma série de recursos tecnológicos que evoluem rapidamente – às vezes, diariamente. Não poderemos mais ser liderados por pessoas que não entendem como funciona o pensamento científico. E isso vai além dos líderes de primeiro escalão. Não poderemos ter servidores públicos que não entendam a ciência empregada na própria área em que trabalham.
Na pandemia, isso ficou muito claro: líderes cientificamente ignorantes, ou com assessores ignorantes em ciência, responderam de maneira extremamente ineficiente ao desafio que se apresentou. Aquela era uma emergência de saúde pública, cuja solução dependia de conhecimento científico e produção de tecnologia. A solução tecnológica que foi encontrada parece hoje muito simples. Mas a principal dificuldade de articular isso foi, certamente, o gigantesco abismo existente entre o trabalho de cientistas e a compreensão destes, pelo publico e por governantes.
Precisamos ter políticas públicas que garantam a formação científica em todos os níveis escolares e do governo. Ciência não é uma coleção de fatos – mas algo em constante modificação, baseada em dados, com desapego a ideias que não se comprovam. Esse treinamento – entender como algo funciona e saber como reproduzir isso para resolver um problema – é útil para a vida. Como o é saber diferenciar cientistas que valem a pena ser ouvidos daqueles que usam técnicas de charlatanismo para convencer os mais incautos. O percentual de servidores hoje com formação em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia ou Matemática), segundo o FT, era 1% em 2018. Precisamos de ao menos 50% de servidores e administradores com isso. Que sejam treinados em análise e interpretação de dados ou ao menos saibam a quem recorrer para terceirizar isso.