Abrigada do calor infernal que atinge o Rio de Janeiro, ocorreu na quinta-feira (16/11) uma sessão conjunta das Sociedades Brasileiras de Oncologia e de Imunologia. O título da mesa: Imunoterapia Made in Brazil. Os oncologistas brasileiros acompanham principalmente dois congressos internacionais anualmente, na Europa e nos EUA – da Esmo e da Asco. Os congressos nacionais de oncologia buscam informar e trazer os últimos acontecimentos para aqueles que não podem frequentar os internacionais. Mas a sessão conjunta das duas sociedades foi provavelmente o único conteúdo que podemos integralmente garantir que não foi apresentado no Exterior – porque é nosso.
Ali, profissionais clínicos e de ciência experimental brasileiros falaram do seu trabalho desenvolvendo tecnologia nacional que possa ser alternativa aos tratamentos milionários desenvolvidos hoje no Exterior. Tais tratamentos, geralmente, não são economicamente viáveis para a maioria das pessoas. O alto custo se deve à propriedade intelectual (as patentes) que protegem a tecnologia na qual se baseia a terapia. Tecnologia essa que foi desenvolvida por cientistas experimentais, ciência básica, e gradualmente incorporada à indústria.
O sistema imune mostrou-se definitivo como ferramenta de tratamento oncológico, reconhecido em 2018 com o Prêmio Nobel, história que já contei aqui. O que ficou claro nessa sessão do congresso foi que há recursos humanos e técnicos no Brasil para desenvolver alternativas nacionais a essas terapias, tornando-as mais custo-efetivas e populares, trazendo a fronteira do conhecimento para o tratamento de câncer. Terapias celulares como as CAR-T custam mais de US$ 1 milhão para um paciente. No Brasil, cientistas paulistas e cariocas já desenvolveram maneiras alternativas para diminuir esse custo ao menos uma dezena de vezes. Terapias com anticorpos monoclonais custam centenas de milhares de reais para um paciente – mas em Porto Alegre, na Santa Casa e na UFCSPA, estamos desenvolvendo esses e outros anticorpos monoclonais para o SUS. Desenvolver é uma etapa; desenvolver significa criar do nada uma molécula que antes não existia, e mostrar que pode funcionar em modelos animais.
Mas o principal gargalo hoje da biotecnologia no Brasil é a manufatura em condições apropriadas para realizar estudos clínicos em pacientes. Cada tipo de terapia requer uma estrutura de manufatura certificada em BPL, ou boas práticas de laboratório. E isso, hoje, não existe no Brasil. Seria o papel da indústria nacional, com apoio do governo, assumir a fabricação, cumprir as exigências regulatórias e realizar e os testes clínicos. O governo federal separou uma verba especial para essas parcerias público-privadas, tentando estimular o complexo industrial da saúde. Mas falta às empresas farmacêuticas nacionais o conhecimento para entender que elas, também, são capazes de criar esse setor no país. Esse passo é estratégico para o Brasil.
É preciso que sessões conjuntas de pesquisa básica e clínica ocorram mais frequentemente e que ao menos alguns empresários brasileiros assistam, conversem e entendam que há muito a ganhar ao criar esse mercado. Podemos nos ajudar. E, fazendo isso, trazer um orgulho e uma confiança nacional tão necessária – e, esperemos, contagiosa.