Cercada por canaviais, a 30 minutos de Ribeirão Preto (SP), a cidade de Serrana tinha, há quatro meses, 25% de seus 46 mil habitantes testando positivo para anticorpos anti-SARS-CoV-2. Uma em cada 20 pessoas estava infectada, e a variante P1 já circulava pela cidade. O Projeto S (de “segredo”), dividiu a cidade em áreas, e os moradores foram vacinados serialmente. Todos os adultos foram vacinados com a Coronavac, vacina inativada que representa hoje 80% de todas as vacinas distribuídas no Brasil. Os resultados desse projeto mostraram, em apenas quatro meses, uma queda de 95% de óbitos. Cerca de 86% das hospitalizações foram reduzidas, como também 80% dos casos sintomáticos.
Esses efeitos só foram observados quando atingidos três quartos da população vacinada com as duas doses. Os famosos 75% do que nós, imunologistas, chamamos de imunidade de rebanho – que só pode ser atingida pela vacinação. O projeto ficou em segredo para evitar a migração massiva para a cidade, pois isso interferiria nos números. Embora os dados completos ainda precisem ser publicados, e a população, acompanhada ao longo do tempo, os resultados confirmam o que foi previsto pela OMS em 2020: Dado o R0 desse vírus, uma vacina com eficácia de 50% ou mais, atingindo 70 % de uma população, deveria ser capaz de controlar a pandemia.
É claro que naquela época – que hoje parece tão longínqua, mas foi apenas no ano passado – jamais imaginávamos de teríamos vacinas com 95% de eficácia e que as vacinas de mRNA quebrariam um paradigma, mudando o mundo para sempre. Queremos saber como exatamente cada vacina está protegendo, precisamos manter por mais tempo as medidas comportamentais de controle de transmissão. Mas, mesmo no interior de São Paulo, com uma vacina inativada com tecnologia simples, o vírus pode ser controlado.
Não somos, como dizem alguns, o quarto país que mais vacina, e sim o 42º.
Como país, contudo, estamos longe disso. Apenas 10% da população foi vacinada com duas doses – estamos ainda vacinando idosos e pessoas com comorbidades. Não somos, portanto, como dizem alguns, o quarto país que mais vacina, e sim o 42º. Sabemos o que precisa ser feito e não fazemos. Nossos cientistas podem e estão desenvolvendo vacinas e diagnósticos, educando a população. Projetando usinas de energia limpa e carros elétricos que não nos deixem na dependência da chuva. Tudo isso na contramão dos que hoje administram o país. O deles é o Projeto I (de “ignorância”). Quanto mais informações falsas forem distribuídas, quanto mais universidades forem desativadas, quanto mais apatia, melhor.
Penso todos os dias na frase de Gandhi: seja a mudança que quer ver no mundo. Esse é o meu projeto. Qual é o seu?