Epíteto, em algum lugar de suas Diatribes, relata um incidente que ocorreu quando ainda era um filósofo dente-de-leite e morava em Roma. Confiante na força de seus princípios filosóficos, dirigiu-se ao Senado disposto a fazer uma ampla discussão sobre o que era a verdade e a justiça; infelizmente, assim que começou a questionar a opinião dos senadores sobre a matéria, foi corrido a tapa do recinto, tendo recebido ao vivo uma lição sobre os perigos de tentar "melhorar" pessoas que não pediram para ser melhoradas.
Assim começo, com esta lição, a minha resposta a um leitor de Ribeirão Preto, que pediu que eu não mencionasse seu nome por motivos óbvios. Diz ele: "Não sei o que fazer com os erros de Português que uma de minhas noras comete. Eu cuido muito em usar a língua correta, aqui em casa, porque em toda a minha vida profissional - sou advogado - vi colegas se prejudicarem por isso. Agora estou preocupado com meus netos, que vão terminar falando errado como a mãe, mas não tenho coragem de corrigi-la. O que o senhor faria?".
Meu caro ribeiro-pretano, em princípio eu acho que opinião e conselho a gente só deve dar para quem pede. A não ser para os meus filhos - e assim mesmo até uma certa idade -, não faço a outras pessoas qualquer comentário sobre a roupa que vestem, o modo como usam os talheres ou as palavras que empregam. Há muito tempo sigo duas regras de ouro: a regra dos dez segundos e a regra da couve no dente.
A primeira é um filtro muito simples: só vale chamar a atenção do outro para problemas que podem ser corrigidos em dez segundos. Sua braguilha está aberta? Sim, é bom avisar. A cinza do charuto vai cair? Tem um inseto no ombro dela? Eu aviso. Mas se o professor veio dar aula com um pé de cada sapato, ou se a saia da vereadora está manchada de tinta, ou se o carro do vizinho está precisando ser lavado, fico mudo como um peixe assado.
A segunda, a da couve no dente, muitas vezes anula a primeira, especialmente no que se refere a erros de linguagem: se o meu comentário pode poupar o meu interlocutor de um embaraço humilhante ou de um prejuízo profissional, não hesito em alertá-lo, mesmo correndo o risco de parecer pedante ou intrometido. É exatamente isso, aliás, que espero que façam comigo. Já devo ter mencionado aqui uma conversa com o saudoso mestre Luft, no bar do câmpus da UFRGS, durante uma pausa para o café. Eu, todo pimpão, comentava com ele a estranha dificuldade que os alunos do Ensino Médio tinham (e ainda têm) de distinguir coisas tão diferentes quanto os apostos e os vocativos; até aquele dia, apesar de já ser um professor experiente, eu dizia /apôstos/, com o O fechado - e Luft ali, ouvindo quieto, esperando que eu terminasse. Depois, como se pedisse licença, veio a mansa lição: "Moreno, imposto, impostos (ó); disposto, dispostos (ó); logo, aposto..." - e não completou a frase, como uma cortesia especial a um colega mais jovem. Ele poderia ter deixado meu erro passar, mas felizmente para mim não o fez.
O conselho que te dou, caro leitor - já que o pediste expressamente -, é esquecer esse problema da tua nora e apreciar as boas qualidades dela, que certamente as terá. Não é coisa que se corrija em dez segundos, nem é, ao que parece, algo que vai prejudicar a vida profissional dela. Fica em paz: teus netos, especialmente com o avô zeloso que têm, vão conhecer mais gramática do que a mãe.