Depois de tantos dias de quarentena, depois de tantas explicações e opiniões sobre a origem e o combate do vírus da hora, parece que o planeta começa a vislumbrar, no horizonte, o fim desta tempestade - ao menos é o que sugere o número crescente de artigos e matérias sobre o day after que começaram a pipocar na imprensa e nas redes sociais nesta primeira semana de maio. Sociólogos, políticos, cientistas, escritores, filósofos, intelectuais, ativistas e religiosos começam, pouco a pouco, a opinar: como será o mundo depois do coronavírus? Para poucos idealistas, será melhor; para a esmagadora maioria, no entanto, será pior.
Como esta coluna fala de palavras, não posso deixar de comentar as sutilezas que escondem atrás do vocábulo pior. Este adjetivo - uma das primeiras lições de norma linguística que todo brasileirinho recebe - é o comparativo de ruim: o livro X é ruim, o livro Y também é ruim - mas o livro X é pior. Ambos são ruins - e por isso podemos usar uma gradação desta "pioridade": o livro X é muito pior, é bem pior, é ainda pior.
Pelo mesmo motivo, podemos dizer menos pior. Numa eleição no condomínio, a um vizinho que me pergunta qual o melhor cadidato, posso responder que o menos pior é Fulano. Minha resposta deixa implícito que todos os candidatos são ruins, e vamos votar naquele que menos danos venha a causar. Numa cena das memórias políticas de Paulo Cavalcanti (publicada com o título de O caso eu conto como o caso foi), dois militantes de esquerda são presos pela repressão e recolhidos a uma cela improvisada de uma delegacia de bairro do Recife. Como a peça não tinha forro, saíram pelo teto e foram marinhando por cima das casas, até que um deles pisou em falso e atravessou o telhado de uma casa, caindo bem no meio da cozinha, diante do olhar apavorado da dona, que se pôs a gritar: "Ladrão, ladrão!". Ele, coberto de caliça, estufou o peito e tranquilizou-a: "Sou comunista, senhora!" - o que a fez gritar ainda mais alto: "É pior! É pior".
Dentre as previsões que tenho lido, a do escritor francês Michel Houellebecq chamou minha atenção exatamente pelo aproveitamento do significado implícito que pior carrega. Pessimista e provocador como sempre, ele escreveu: "Eu não acredito nem meio segundo nessas declarações do tipo nada será como antes. Ao contrário, tudo ficará exatamente como está. Não vamos acordar, depois do confinamento, num mundo diferente. Será o mesmo, só que pior". Com ironia precisa, Houellebecq deixa clara a sua intenção de qualificar não só o mundo futuro como o mundo presente: para ele, o mundo pré-vírus (que chamamos de normal) é ruim, e só vai piorar. É como a resposta daquele pai, a quem o filho, lendo um álbum de mitologia, perguntou como era uma amazona: "Era uma mulher assim como a tua mãe - só que muito pior".