Felix Catton (Jacob Elordi), personagem do filme Saltburn (Amazon Prime), é a própria encarnação daquilo que os italianos chamam de sprezzatura. O termo, intraduzível, foi criado pelo humanista Baldassare Castiglione no século 16 para designar um certo “je ne sais quoi” que acompanha os mais afortunados entre os bem nascidos: aquele tipo de elegância sem esforço que faz qualquer lenço atirado sobre os ombros parecer uma obra-prima de charme e estilo. Inteligente, espirituoso e nonchalant, o nobre raiz, segundo a cartilha de Castiglione, deveria ser capaz de executar qualquer tarefa (escolher a gravata, montar a cavalo, escrever um poema, comandar um exército…) com a naturalidade de quem já nasceu sabendo – a tal sprezzatura.
A maior parte da ação de Saltburn se passa em um castelo no interior da Inglaterra (onde mais?). Oliver Quick (Barry Keoghan), colega de Felix em Oxford, é um ET classe média convidado a passar uma temporada em um ninho de extravagâncias (e neuroses) aristocráticas. O filme anda fazendo barulho nas redes sociais pelas cenas de sexo pouco ortodoxas e pelo visual exuberante, mas o eixo principal da história é o velho choque entre classes. Oliver pode imitar gestos, aprender o vocabulário, mimetizar a arrogância, mas teria que nascer de novo para fazer parte daquela turma. Produções recentes como os filmes Parasita (2019) e Triângulo da Tristeza (2022) e a série The White Lotus (2021 e 2022) exploraram o mesmo filão. Spoiler múltiplo: o final nunca é bom.
Ninguém precisa ficar hospedado em um castelo inglês para viver a experiência de sentir-se socialmente inadequado. Cada país tem formas muito particulares de exclusão, e as do Brasil são especialmente cruéis. Dois homens de camiseta, bermuda e chinelos podem receber tratamentos muito distintos no mesmo supermercado chique – todos são iguais, mas algumas marcas são melhores do que as outras.
Eleito um dos melhores podcasts de 2023, Classy com Jonathan Menjivar conta histórias que retratam as diferentes formas como a angústia de classe se infiltra na vida cotidiana: das roupas à bagagem cultural, do sotaque aos hábitos à mesa. Cada um dos personagens dessas histórias (o apresentador do podcast inclusive) viveu, em segredo, a experiência de sentir-se um peixe fora d’água em determinado ambiente – e nem sempre foi tratado com a devida elegância por quem se orgulha de jamais errar na escolha da gravata. Na vida como nos filmes, na Renascença como nos dias de hoje, sprezzatura sem caráter é apenas perfumaria.