Não é aquele tipo de filme que a gente coloca na televisão enquanto as crianças tentam desmontar os brinquedos novos e os adultos esvaziam as últimas taças de champanhe. Também não é a melhor opção para se assistir no dia seguinte, de ressaca, liquidando o que sobrou da ceia da véspera.
Meu filme de Natal preferido não é uma comédia romântica como Simplesmente Amor (2003), que nos últimos anos virou o favorito da temporada. Também não é um clássico que restitui nossa fé na Humanidade, como A Felicidade não se Compra (1946), ou uma comédia que agrada a família toda, como Esqueceram de Mim (1990) ou Elf (2003).
Conclusão: meu filme de Natal preferido, Fanny e Alexander (1982), provavelmente não é um bom filme para se assistir no Natal. Ou é?
Ingmar Bergman lançou duas versões da sua obra mais claramente inspirada em suas memórias de infância. A versão “compacta”, com pouco mais de três horas, passou nos cinemas de Porto Alegre no início dos anos 1980. A versão completa, em formato de minissérie para a TV, tem mais de cinco horas de duração. Foi esta segunda que eu assisti, pela primeira vez, nos últimos dias – e nada poderia ter me colocado mais no clima da festa.
No primeiro episódio de Fanny e Alexander, uma família está reunida diante de uma alegre e suntuosa mesa de Natal (estamos no início do século 20, na Suécia). Mas o espírito natalino da história não está no aparato festivo ou na reencenação das muitas tradições ligadas à data. Sentimentos que a maioria de nós aprende a associar ao Natal são a própria matéria de que o filme é feito: alegria, fantasia, nostalgia, melancolia... Tudo junto, misturado, e vivido de formas diferentes em cada etapa da vida.
O filme conta a história da exuberante família Ekdahl, que entra em crise quando o adorado pai dos irmãos Fanny e Alexander morre, e a mãe se casa novamente com um homem incapaz de amar ou de se divertir (no Natal ou em qualquer outro momento). A história é contada do ponto de vista de Alexander, alter ego de Bergman, que aprende a enfrentar a aridez espiritual do padrasto com a força da imaginação e das histórias que são passadas de uma geração para a outra.
Fanny e Alexander é um filme sobre memória, sobre afetos e sobre a variedade de personalidades e dramas íntimos que compõem uma grande família. O Natal, por sua vez, é a festa que pontua a passagem do tempo, as perdas, as dores e as esperanças renovadas por um nascimento ou qualquer outro tipo de aposta no futuro (casamentos, viagens, mudança de emprego…). Natais às vezes são alegres, outras nem tanto. Às vezes são tediosos, outras cheios de drama.
Seja como for, é a festa que nos lembra de onde viemos, para onde vamos e com quem podemos contar na jornada.