2023 está terminando, e eu não fiz qualquer esforço para abraçar (ou rejeitar) os usos mais amigáveis da vedete tecnológica do ano – aquela que ninguém sabe se vai salvar ou destruir a humanidade. Não baixei o aplicativo do ChatGPT no meu telefone, por exemplo, nem testei o talento da inteligência artificial para escrever minhas colunas (vai que…), mas, no ano que passou, dediquei mais tempo a uma obra de arte criada por um algoritmo do que a qualquer outra produzida pelos métodos convencionais.
Assinada pelo artista turco Refik Anadol, de 37 anos, a obra se chama Unsupervised e está instalada no lobby do MoMA desde o final do ano passado. O título refere-se ao tipo de aprendizado da inteligência artificial. No modelo não supervisionado (unsupervised), a máquina aprende, sem interferência humana, a partir de uma base de dados qualquer, podendo descobrir padrões e produzir insights por conta própria. No caso da instalação criada para o MoMA, a base de dados é a coleção de obras do próprio museu – digitalizadas, embaralhadas e exibidas em um painel luminoso de sete metros de altura.
Grandes artistas arrebatam o espectador não apenas pelo virtuosismo técnico, mas pela capacidade de transformar a experiência humana.
É difícil não ser capturado pelo fascínio high tech de Unsupervised – tanto que eu voltei mais de uma vez para repetir a experiência. Imagino que os primeiros espectadores dos filmes dos irmãos Lumière devem ter se sentido mais ou menos como eu ali: embasbacados, maravilhados, mas sem saber bem o que aquilo tudo significa para além da pirotecnia. Em essência, os outdoors hipertecnológicos de Times Square não são muito diferentes. Tanto o anúncio de tênis quanto a arte digital abstrata oferecem um banquete sensorial que imediatamente captura (e seduz) nossa atenção. A grande diferença é que Unsupervised está em um museu, situando nossa experiência dentro do contexto da arte – o que, de certa forma, ajuda a moldar a maneira como percebemos a obra.
Enquanto Refik Anadol explorava as habilidades artísticas do algoritmo, talvez projetando a arte do futuro, um mestre do passado testava sua popularidade junto ao público do presente. A exposição de 28 obras de Vermeer (1632 - 1675) no Rijksmuseum, em Amsterdã, foi o grande blockbuster do mundo das artes no ano que passou. Esquecido durante quase dois séculos, Vermeer foi redescoberto em meados do século 19, e hoje joga no time das unanimidades – ao lado de craques como Van Gogh, Picasso e Da Vinci.
Grandes artistas arrebatam o espectador não apenas pelo virtuosismo técnico, mas pela capacidade de transformar a experiência humana em algo que pode ser apreendido e compartilhado por pessoas de lugares e épocas diferentes. Talvez aconteça mais cedo do que a gente imagina, mas me parece que o algoritmo ainda vai ter que treinar muito antes de chegar lá.