Tente lembrar-se da última vez em que você deparou com o retrato de um suicida anônimo na capa de um grande jornal. Se nada lhe ocorreu, não é por acaso ou falta de memória. Não importa quão espetaculares tenham sido as circunstâncias ou o cenário escolhido pelo suicida – um shopping em pleno sábado à tarde, o viaduto de uma grande cidade, uma sala de cinema lotada: a cobertura jornalística do episódio, se houver, será discreta no espaço e sóbria no conteúdo.
A ideia de que a cobertura de suicídios deve atender a determinados padrões é antiga e já foi relativamente bem absorvida pela maioria das redações. Em 2000, a Organização Mundial de Saúde publicou um manual que lista uma série de cuidados que devem ser tomados para que notícias desse tipo não estimulem a imaginação de quem já se encontra em estado de fragilidade emocional. Detalhes sobre o método utilizado, mensagens de despedida e qualquer tipo de explicação simplista devem ser evitados. Não se deve glamourizar o suicida nem associar sua decisão com situações que podem estar sendo enfrentadas naquele momento por outras pessoas.
Estudos sobre a relação entre os meios de comunicação e o aumento no número de suicídios remontam ao século 19, o que ajuda a explicar o relativo consenso sobre o assunto nos dias de hoje. O mesmo não pode ser dito sobre massacres como o que ocorreu em uma escola pública de Suzano na semana passada. Por motivos óbvios, o debate sobre a cobertura jornalística desse tipo de crime está mais avançado nos Estados Unidos. Já há, inclusive, uma cartilha semelhante à que trata sobre suicídios. Mesmo assim, a reação da imprensa americana tem sido lenta. O principal erro, apontam os estudos mais recentes, é oferecer fama póstuma, ainda que pelos piores motivos, a pessoas em geral medíocres, solitárias e sedentas exatamente de atenção.
Nesse sentido, a cobertura do massacre de Suzano foi um fracasso. Nos jornais e na televisão, a regra foi dar destaque para as fotos e as biografias dos criminosos – exatamente como eles imaginaram que aconteceria. Um dos assassinos chegou a escolher a roupa e a pose em que iria aparecer nos jornais do dia seguinte: bastou postar uma foto nas redes sociais algumas horas antes. (Zero Hora, corretamente, optou por estampar na capa do dia 14 de março a imagem de uma vítima, e não os retratos dos assassinos.)
Assim como os estudos sobre mídia deixam claro como a imprensa deve agir para conter o avanço desse tipo de crime, todas as métricas confiáveis indicam que a redução de armas ajuda a diminuir o número de mortos pela violência.
Não é opinião, é ciência.
Não tão claros são os efeitos simbólicos da banalização da retórica e do gestual da violência, especialmente quando partem de figuras públicas, mas eu apostaria que o culto às armas de verdade e os discursos de ódio são potencialmente mais perigosos (e certamente mais infames) do que o pior dos videogames.