Luís Eduardo Gomes, jornalista e gamer
A primeira vez que joguei videogame tinha três anos. Um Atari, do meu irmão mais velho. Logo depois, ganhamos um Mega-Drive. Quando tinha sete, ganhamos Mortal Kombat II. O jogo mais violento então criado. Joguei todos os tipos de jogos durante a minha adolescência, do Mario e do Sonic aos mais violentos. Jogo até hoje. É bom para desligar a cabeça. Faço esse preâmbulo para dizer que esse é meu lugar de fala.
#somosgamersnaoassassinos dizia a hashtag no Twitter após o massacre de Suzano.
Cheguei aos 32 anos e nunca matei ninguém. Mas acho que chegou a hora da comunidade gamer parar de tapar o sol com a peneira e assumir que tem um lado tóxico. Uma comunidade que é muito baseada no ódio e na briga.
É comum em fóruns de jogos aparentemente inofensivos, como Pokémon, ver usuários destilando ódio às mulheres, enquanto sexualizam tudo, reclamando de personagens negros, de que tudo é mimimi. É uma comunidade que não é saudável para meninas. Muitas jogam online disfarçadas.
Muitos fóruns gamers se imiscuem com os fóruns que são incubadoras de ódio e, nos casos mais extremos – como o Dogolachan frequentado pelos atiradores de Suzano –, de assassinos. São coisas diferentes. É preciso deixar isso claro. Mas existe uma relação, compartilham públicos e piadas.
Os games não são a causa dos tiroteios – esses têm causas multifatoriais e mais complexas que essa reflexão. Mas suas comunidades são um elemento cultural importante na proliferação do ódio.
Eu não estou dizendo que é pra proibir games. Não resolveria nada. A frustração masculina vai muito além disso e, para muitos, imagino que para maioria, os jogos são um escape e uma fantasia que a ajudam a deixar de pensar bobagem.
Eu já pensei muita bobagem na vida. Sofri muito bullying. Passava o dia jogando videogame, lia muitos desses fóruns. Evitava os tóxicos, mas sabia que existiam e sabia como achar. Facilmente. Felizmente, tive uma família estruturada, um ambiente seguro para que o tempo se encarregasse de que os problemas que eu achava serem do tamanho de montanhas ficassem no passado, junto com a adolescência. Ter outro hobby, tocar guitarra, me ajudou bastante.
Os pais precisam saber que o filho que passa o dia inteiro trancado no quarto pode sim estar pensando muita bobagem. Pode estar inserido num ambiente que não é saudável.
Os pais precisam saber que o filho que passa o dia inteiro trancado no quarto pode sim estar pensando muita bobagem.
Games podem ser ótimos ambientes de confraternização, claro. Tenho ótimas memórias de "jogatinas com a galera".Também se formam comunidades saudáveis em torno dos jogos. Mas a vida não é preto ou branco. O saudável e o tóxico convivem.
Os gamers deveriam se desarmar, admitir que existe um problema e parar de tratar qualquer crítica/reflexão como ataque. Continuar fingindo o contrário não ajuda ninguém.