Nunca houve uma entrega da Bola de Ouro tão polêmica. A tradicional premiação, realizada pela revista France Football, na segunda-feira (28), consagrou o volante Rodri, fundamental na conquista da tríplice coroa pelo Manchester City (Premier League, Champions League e FA Cup) e da Eurocopa de 2024 pela Espanha.
Apesar de suas campanhas brilhantes, Rodri era para ter sido o segundo lugar.
O primeiro lugar deveria ter sido Vinicius Júnior, que ficou em segundo lugar. Afinal, ninguém superou o atacante brasileiro no último ano. Em atuações milagrosas, arrasadoras e fora da curva pelo Real Madrid, venceu a La Liga e a Champions League, com protagonismo em ambas as competições.
A inversão do pódio causou constrangimentos. A incômoda omissão e gritante distorção foram entendidas como boicote à postura política contra o racismo de Vinicius Júnior.
Se Pelé ou Garrincha estivessem vivos e jogando hoje, dificilmente ganhariam o prêmio. Lendas não têm vez numa eleição tendenciosa.
Dos cem jornalistas votantes, 41 são de países da UEFA. Na sala de espelhos, a escolha costuma recair para um destaque caucasiano. Não se pode esperar discernimento, pois sobra identificação eurocêntrica.
Houve seis negros eleitos em 68 anos da Bola de Ouro: Eusébio (1965); Ruud Gullit (1987); George Weah (1995), o único africano; Ronaldo (1997 e 2002); Rivaldo (1999); e Ronaldinho (2005). Tudo bem que a distinção dava exclusividade para os europeus nos seus primeiros 39 anos, mas continua com uma representatividade irrisória.
A história das urnas do melhor do mundo é viciada na cor da bola. A verdade indigesta é que o futebol, praticado na maioria por negros, vive ainda um apartheid nas suas instâncias superiores.
Não sei se Vinicius Júnior levará a Bola de Ouro um dia, mesmo que seja um jovem de 24 anos no esplendor da carreira. Talvez tenha perdido o momento. Assim como aconteceu com Neymar, que flertou com o topo e jamais correspondeu aos estranhos e misteriosos pré-requisitos.
O que vale para alguns não vale para todos. Cristiano Ronaldo, cinco vezes eleito, ou Messi, oito vezes eleito, nem sempre mereceram. Mas parece que empilharam troféus pelo conjunto da obra e nem tanto pelo desempenho nas temporadas em questão.
O que tenho confiança é que Vinicius Júnior, menino pobre de São Gonçalo (RJ), é maior do que o esporte. A luta antirracista que encampou é de uma coragem extraordinária, e segue em influência o legado de Martin Luther King, Malcolm X e Nelson Mandela.
Alvo de ofensas racistas em diversas ocasiões, com gritos de "macaco" pelas arquibancadas adversárias, Vinicius sempre parou o jogo para mudar o jogo de aparências. Não deixou passar. Não baixou a cabeça nem para o presidente da La Liga, Javier Tebas. Pela sua cobrança e posicionamento contundentes, conseguiu que as autoridades na Espanha punissem três torcedores racistas do Valencia, fato que nunca tinha ocorrido antes. Já marcou a história além das quatro linhas.
Não bastando, criou um instituto que leva seu nome para aplicar um programa de educação antirracista para alunos de escolas públicas.
Da mesma forma que enfrenta a discriminação de frente, é capaz de sorrir, bailar e comemorar seus gols com dancinhas. O desejo de justiça não apagou a sua alegria.
— Aceitem, respeitem ou surtem. Eu não vou parar. Dizem que felicidade incomoda. A felicidade de um preto, brasileiro, vitorioso na Europa incomoda muito mais. Mas repito para você, racista: eu não vou parar de bailar. Seja no sambódromo, no Bernabéu ou onde eu quiser.
Acredito que o destino está reservando algo grandioso para Vinicius Júnior, algo que realmente o enxergue como um ícone da igualdade racial. Não duvido que se torne o Prêmio Nobel brasileiro. O Nobel da Paz, mais do que a Bola de Ouro, ainda será dele.