Meu bairro não me perdoa.
Eu me preparo somente para passeios previamente agendados, para ir a lugares distantes — shoppings, restaurantes, bares, serviço —, mas me descuido quando estou caminhando por Petrópolis.
No meu entorno, esqueço um pormenor fundamental: o meu bairro é visita para os outros.
Não me produzo para frequentar a padaria, o açougue, a farmácia, o supermercado.
Surjo terrivelmente desleixado. Ou de calção, regata e chinelo, durante o nosso calor, ou de abrigo de construção civil, para enfrentar o frio. É a mesma roupa de levar o lixo ou buscar o jornal.
Se a esposa me diz para comprar pão, apenas saio, sem checagem no espelho. Não há transição entre casa e rua. Não há procissão pelo armário. Não confiro golas ou estado das meias.
Atiro-me para o desconhecido, jurando que será uma travessia solitária, rápida e indolor.
A questão é que não imagino que pecharei com alguém importante. Sequer cogito, tão obcecado em cumprir minhas encomendas. Vou já pensando em voltar.
Basta estar desprevenido que tudo acontece. O acaso costuma marcar reuniões à minha revelia.
Não aprendi com Beatriz o quanto o inusitado é bem-vestido. Ela não desce nem para pegar um Sedex sem trocar de traje. Não se arrisca, como eu, para a indigência.
Esbarro com meio mundo que não esperava, deixando uma péssima impressão. Existe sempre um embaraço. Ninguém tem como supor que sou realizado.
Encontro o Nelson Sirotsky, publisher da RBS, desolado com o aspecto de seu colunista.
Encontro o presidente do Banrisul.
Encontro secretários de Estado.
Encontro o prefeito e a primeira-dama.
Encontro ex-namorada, que me olha e dá graças a Deus por ter se separado.
Sucesso e prosperidade passam reto por mim.
E todos se mostram ajeitados, engomados, alinhados, com uma aparência impecável. Nenhum sinal de caspa ou remela. Nada que possa desabonar o capricho. O perfume do banho se mantém recente e poderoso.
Eu finjo pressa, demência, para não ser exumado pelos olhos. Eu me sinto um carro circulando com a placa de “vende-se”. Um apartamento com janela adesivada de “aluga-se”.
Pareço um sujeito desajustado, precário, procurando fiador, vivendo de favor.
Deveria ser proibido que nos vissem enquanto andamos pelo bairro. Deveríamos contar com um escudo da invisibilidade. Bairro é quintal. Bairro é território íntimo.
Pior do que isso só quando alguém quer tirar uma selfie comigo na praia. Daí é ferir o último reduto da decência, agredir o decoro.
Fico constrangido, mas não nego. Evito fazer desfeita ou ser confundido com arrogante.
A imagem é absolutamente desproporcional, aquele meu cabeção no corpo pequeno e peludo. Ainda por cima, uso sunga, com estampas amazônicas de rios e matas, que provocarão risadas se guardadas para a posteridade.
Pode até me marcar na foto, porém não me peça para repostar. Minha inconsequência tem limite.