Nossa família sempre foi ciosa com a calçada. Vivíamos no bairro Petrópolis.
Qualquer laje solta pelas raízes das árvores, nós a arrumávamos, assumíamos o orçamento.
Era o tempo em que varríamos a frente de casa e o quintal com o mesmo ânimo. Não havia limites para o recolhimento de folhas. Não raro, estendíamos a vassoura até a área do vizinho, num empréstimo generoso de asseio.
Estou me referindo aos anos 70. Hoje todos os integrantes da família moram em apartamentos.
A legislação que incumbe aos proprietários a manutenção do passeio defronte aos seus imóveis é daquela época: Lei Complementar Nº 12, sancionada em 1975, que diz que o dono é obrigado a “executar a pavimentação” em caso de conserto e manter o terreno “em bom estado de conservação”.
Mas será que não chegou a hora de revisar a lei? Ela tem quase cinquenta anos, e foi criada quando contávamos com menos de 1 milhão de habitantes.
A cidade não mais é pequena, não mais é um ovo, há poucas residências como antes.
Não sofríamos com tantos desastres climáticos. São chuvas, tempestades, ciclones frequentes, que arrancam troncos e tiram as pedras do lugar.
Afora a costumeira queda da fiação, existe a desfiguração dos espaços, que se assemelham a um cenário de guerra no dia seguinte, de terra arrasada. É correto o proprietário arcar com a conta?
Por exemplo, com a destruição das calçadas pela enchente, o proprietário será lesado duas vezes? Não bastassem os estragos da própria moradia invadida pelas águas, será constrangido a lidar com os rejuntes e desníveis das ruas e dos esgotos?
E o calçadão no centro histórico? Como os donos dos estabelecimentos podem corrigir um passeio cheio de particularidades e exigências, como podem preservar um alto padrão de décadas atrás? É pedir demais: conserto nunca será restauração.
O risco é que as vias dos pedestres virem uma colcha de retalhos, com materiais distintos de sua natureza original. Tampouco é possível confiar na fiscalização para a obtenção de um retrabalho. Vai parecer Inquisição.
Além disso, a demora na recomposição de lajes e paralelepípedos torna-se um grave e perigoso transtorno para o deslocamento dos cadeirantes, idosos e crianças, provocando acidentes e lesões. A fatura do hospital vai para os proprietários da casa ou do edifício, que não previam o evento fortuito do lado de fora de suas grades, numa indústria involuntária de indenizações.
Pelo crescimento demográfico, pelas tragédias ambientais, o passeio público não deveria ser transferido para a prefeitura? Talvez sob a forma de taxa, num rateamento justo e simbólico, como nos serviços de iluminação e limpeza pública?
Também é fundamental reivindicar o bom senso da administração na revitalização urbana, pois ela conseguiu ultimamente a proeza de piorar o centro da cidade.
Ou será que repassar tal demanda à Secretaria de Obras e Infraestrutura não iria piorar a situação, visto que ocorre uma lentidão de meses para uma simples poda ou para tapar um buraco?
São questionamentos que vêm me roubando a paz da cidadania, embora eu saiba que as demais capitais seguem igual regulamentação.
Porto Alegre já foi mais bonita. Já foi mais arborizada. Já foi mais agradável de se percorrer. Já foi mais homogênea. Já foi mais nossa.