É proibido rir no Rio Grande do Sul, devido ao pesar pela meia centena de mortes até então e pelas dezenas de desaparecidos.
Mas eu tenho um distúrbio. E muitos são como eu. Em situações de extremo nervosismo, começo a rir. As lágrimas já não fazem efeito, tal remédio que se mostra fraco pelo uso constante.
Eu choro pelo riso. Choro borbotões pelo riso.
Não é deboche, mas angústia, atrapalhação, sinal de esgotamento, de não saber mais o que fazer, de não saber mais como me comportar, de não saber mais o que dizer, de ficar absolutamente sem graça diante de incomensurável tristeza pela maior catástrofe natural da história gaúcha. O riso despista o que estou sentindo, é totalmente incoerente com as emoções mais profundas de raiva e revolta. Não se fie pela aparência, nem sempre significa felicidade: é o mal-estar da ansiedade.
É uma luta, uma fuga, um modo de eu mesmo me consolar. Talvez esteja procurando inibir a produção de hormônios de estresse, mas não é um riso bom. É um riso que dói, um riso que tenta nos imaginar num futuro melhor, já refeitos e reconstruídos, lembrando-nos dessa enchente como um passado distante.
Assim como meu riso, Porto Alegre não está bonita com as ruas alagadas, não virou uma Veneza pela invasão das águas. É só desamparo, abandono, solidão. Os botes que circulam pelo Mercado Público não são gôndolas românticas, é nossa gente acudindo nossa gente.
O Guaíba ultrapassou inacreditáveis cinco metros (a marca histórica de 1941 era de 4,76m), e não para de crescer. Rezamos para que não ultrapasse os seis metros do Muro da Mauá.
Nunca olhamos tanto para o horizonte em busca de um sol. Que seja minúsculo, que seja do tamanho de uma bola de futebol, de um pião, de um alfinete. Qualquer luz que rivalize com essa chuva contínua, insistente, perversa.
Desejamos aquele raio solar, antes tão habitual, agora com status de cometa, de eclipse, fenômenos raros e extraordinários.
Ele não vem, mas em seu lugar, no céu, há milagres acontecendo: há um bebê voando, uma criança de dois aninhos salva pelo Exército de um telhado, em Bom Retiro do Sul.
Resgatada corajosamente pelo segundo sargento Andrwis Victor Nunes, que é pai de uma menina da mesma idade, ela não está assustada com as alturas, parece rir com os olhos ao sobrevoar sua cidade no Vale do Taquari, de helicóptero.
Ela paira acima dos problemas, da cheia, do caos, do desespero, ao encontro do colo de sua família finalmente segura.
O bebê é o nosso sol, o nosso futuro, a nossa esperança.