Numa conversa sobre grandes alegrias da vida, a minha amiga Ladiane, recém-chegada aos 40 anos, lembrou que seu maior contentamento foi quando a sua mãe disse:
— Tenho orgulho de você.
Só que ela havia dito isso na semana anterior. Não fora na infância, não fora na adolescência, não fora na juventude.
Tinha acabado de acontecer.
A mãe costurava um vestido de renda, acenou com o rosto para a filha ao seu lado, olhando televisão, dividindo a companhia na penumbra da sala de estar, no entardecer de um dia de trabalho, e confessou a bendita frase.
A declaração veio sem contexto, sem explicação, sem justificativa. Solta como uma pandorga livre do fio.
Minha amiga se impactou tanto que nem questionou o motivo, não pretendeu estragar o momento forçando uma conclusão, algo que desabonasse o troféu recebido. Engoliu a seco a oferenda. Ficou, de modo evidente, absolutamente comovida, chocada com a revelação, retendo lágrimas nos olhos e limpando o sal no rosto.
Talvez ela sempre tenha esperado essas palavras sagradas do convívio, do respeito à diferença, da carne que é também sua carne. Mesmo seguindo por trilha distinta, que sua mãe se orgulhasse do seu caráter, do seu emprego, da sua retidão, dos seus princípios, dos filhos que sustentava com afinco e garra, da postura calada e esperançosa de resistência.
“Tenho orgulho de você” é o que um filho mais deseja ouvir de seus pais. Representa a glória doméstica de um filho, que se vê pela primeira vez como um exemplo dentro de casa. É como se fosse uma bênção pelo caminho adotado, é como se fosse uma autorização para o exercício integral da personalidade.
É orgulho de quem o filho se tornou, de quem o filho decidiu ser.
Significa o fim das restrições, da censura, dos preconceitos. Ainda mais quando o filho é tão diferente dos pais nas escolhas e na aparência.
É um segundo “eu te amo”, a crisma após a comunhão do “eu te amo”. Trata-se de um fechamento do ciclo do cuidado, quando o tutor reconhece a autonomia do seu rebento, a liberdade do seu rebento, e deixa que ele aja de acordo com as suas vontades.
É uma porta aberta contra a dependência, e a favor da admiração adulta.
Em contrapartida, “tenho orgulho de você” jamais deve ser confundido com pedido de desculpa. Há essa exceção. É possível ter orgulho desprovido de qualquer intenção de remissão.
É no orgulho que a pessoa esconde a falta de humildade, transformando-o num pretexto para achar que nunca errou com o outro.
O orgulho funciona como um impulso do amor, um coroamento do amor, quando não predominam feridas visíveis e desavenças fundas. Quando não há algo a ser resolvido, nenhuma carência extrema.
Perguntei a Ladiane se a mãe não poderia ter dito isso antes e ela simplesmente não ter escutado, não ter dado relevância.
Porque você somente ouve quando realmente precisa.
— É possível. Talvez tenha me distraído — ela me respondeu.
Nem sempre os ouvidos, tão acostumados com as críticas, estão prontos para a gratidão.