Desenvolver uma atividade economicamente viável e que ande em paralelo com a preservação do ambiente está entre os desafios da agropecuária do presente e do futuro. Na Metade Sul do Rio Grande do Sul, onde predomina o bioma Pampa, crescem as iniciativas que expandem o olhar para o campo sustentável.
A reportagem de GZH visitou propriedades na região de Lavras do Sul e de São Gabriel, na Campanha, onde despontam iniciativas que priorizam a sustentabilidade e tem potencial para colocar o Estado em um patamar de referência no futuro. Em novembro, a região vai sediar evento que também promete deixar marca importante nas discussões sobre esse tema. Será o Universo Pecuária, em Lavras.
Dentre os negócios mais verdes, destaca-se o conceito da pecuária sustentável. O manejo focado no gado criado a pasto vem para tirar o rótulo de uma atividade poluidora associada à produção de carne. Isso porque, segundo estudos, a vegetação que alimenta os animais mais fixa do que elimina carbono para o ambiente. E é um ponto onde a produção gaúcha se destaca.
— O diferencial do Pampa gaúcho em relação ao resto do País é que o gado é criado no próprio bioma, que é muito mais nutritivo. É um fator de sustentabilidade no manejo da pastagem, do solo, e até para o sequestro de carbono — diz Luiza Bruscato, gerente executiva do GTPS, a Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável.
De acordo com o Sindicato Rural do município, Lavras do Sul possui proporcionalmente a maior área preservada de campo nativo no Estado. Dos 160 mil hectares de área total no município, apenas 40 mil são destinados à agricultura.
A própria valorização do gado segurou a entrada da agricultura na região. O avanço da atividade é recente, e já começa nos termos de uma parceria, a chamada integração lavoura-pecuária. Ou seja, planta-se em uma parte da área, e a outra permanece destinada à criação de animais. Segundo especialistas, o modelo confere sustentabilidade tanto econômica quanto ambiental.
Produção planejada
Carregando uma história que passa de geração em geração, com atividade que começou ainda no século passado, em 1918, a Estância Cerro do Ouro, em São Gabriel, segue pioneira com o passar do tempo e é exemplo de produção bem planejada.
Depois de décadas dedicadas exclusivamente à pecuária, a introdução da soja nos anos 1990 deu início à integração lavoura-pecuária na propriedade, tradicional no gado de corte e na genética de braford e hereford.
O cultivo do grão alternado com o plantio de culturas de inverno, com o azevém e a aveia, que servem de alimento aos animais, deu condições para uma alimentação sustentável do gado criado a pasto.
A propriedade é uma das que participam de programa da Bayer sobre sequestro de carbono. São mais de 2,6 mil participantes em 10 países. A Cerro do Ouro está há dois anos coletando dados que vão embasar estudo sobre o ciclo do elemento no ambiente. O objetivo é medir as emissões e o efeito da fixação no solo.
Os estudos na área vão ao encontro a um dos maiores desafios da pecuária, que é reduzir a emissão do gás metano gerado pelo processo de ruminação dos animais. Diversas pesquisas estão sendo realizadas para mostrar que a vegetação utilizada como pasto devolve carbono para o solo. É o que se chama de sequestro de carbono e um dos grandes trunfos da pecuária sustentável.
Para se atingir esse resultado, um dos caminhos é manter o solo sempre coberto de vegetação. Na Cerro do Ouro, a estratégia é alternar o plantio da soja com um mix de culturas. Com isso, além do melhor aproveitamento da terra para grãos, a gestão planejada das áreas garante gado gordo para venda o ano inteiro, inverno e verão. A rotação ainda evita o desgaste do ambiente natural.
— No Pampa gaúcho, tu encontras uma diversidade de culturas tão grande que ele precisa ser preservado. Precisa dar oportunidade de rotação em campo nativo. Nós tiramos o gado para pastagens e isso dá condições para fixação de carbono e renovação da vegetação. O solo é o nosso bem mais precioso. É de nosso total interesse preservar e cuidar — diz Rita Mariza Teixeira Gonçalves, a Tita, sócia proprietária da Estância Cerro do Ouro.
O gado criado no pasto (atividade oposta à pecuária de confinamento, na qual os animais são alimentados com ração) resulta em alto valor agregado, com qualidade reconhecida da carne. Há frigoríficos que chegam a pagar um diferencial aos produtores que atendem a esse requisito, cada vez mais valorizado pelo consumidor de carne.
— Existe uma marca de carne nos Estados Unidos que diz que um dos fatores de sustentabilidade é ter o gado criado a pasto, o que já é o que temos na maior parte do Brasil e no Rio Grande do Sul com bastante força — exemplifica Luiza Bruscato, da Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável.
Algumas associações de raça, como é o caso da Associação Brasileiro de Angus, já adotam selos de sustentabilidade para certificar produções que atendam às boas práticas e padrões estabelecidos.
Lavoura de experimentos
Em campos próximos dali, em Lavras do Sul, o objetivo de negócio na Parceria Agropecuária Labor é o desenvolvimento de uma “lavoura de carne”. Nas palavras de um dos sócios, Carlos Wagner La Bella, significa aplicar a mesma atenção que se daria para uma plantação de grãos (em termos de investimentos aplicados, principalmente), só que para a carne.
No caso da Labor, o foco é a pecuária de terminação: engorda-se o gado para depois vender ao frigorífico, em trabalho que leva, em média, 120 dias.
O gado quando chega na propriedade vai direto ao campo nativo, onde passa pelo protocolo de entrada, com controle de doenças, pesagem e identificação. Depois, segue para o campo melhorado e se alimenta da pastagem, que dá o acabamento na gordura do animal.
A propriedade faz parte da Alianza del Pastizal, iniciativa formada por quatro países (Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai) que prioriza a preservação do Pampa e a biodiversidade do bioma. O objetivo é incentivar técnicas de manejo favoráveis ao meio ambiente, aliando a produção e a conservação.
Pedro Pascotini, coordenador no Brasil da Alianza del Pastizal, explica que a iniciativa trabalha com um quadro de certificação das propriedades participantes. Dentre os protocolos, é necessário possuir, no mínimo, 50% de campo nativo e sistema livre de confinamento. São 290 propriedades gaúchas certificadas, em área que soma 216 mil hectares e dos quais 158 mil hectares são nativos.
— Temos a felicidade de ter essa predominância do Pampa, um bioma onde é sustentável produzir. A evolução da economia do Rio Grande do Sul foi através da pecuária e por isso há, também, uma questão de defesa cultural — afirma Pascotini, sobre a necessidade de preservação.
Segundo pesquisadores, quando se tem um mau manejo da pastagem, cria-se um problema para a pecuária e para as emissões de gases.
Para se atingir melhores resultados, a Labor vem fazendo experimentos que vão desde o melhoramento do solo até a rotação de culturas. Num desses testes, os sócios plantaram braquiária. A espécie forrageira possui raízes profundas que conferem maior capilaridade e resgatam produtos que ficam no solo, como o fósforo, puxando-o para a folha.
A alimentação dos animais por braquiárias gerou ganho de peso de 1,4 kg por dia nos bois. Com outras pastagens, o ganho médio era de 800g por dia.
— Saímos de duas secas severas e essa pecuária é o que vem nos mantendo no jogo e nos salvando no dia a dia — conta La Bella, ou Waguinho, um dos sócios da propriedade.
Antes mesmo da pecuária, a sociedade começou com a plantação da soja. A inspiração para expandir vem de projeto do qual a propriedade faz parte, o Núcleo de Inovação Tecnológica em Agropecuária (Nita), que coloca a integração lavoura-pecuária em prática.
Aldrovando Borges, também sócio da Labor, explica que o programa visa minimizar o impacto da monocultura no solo e ajuda a manter as propriedades rentáveis em casos de seca.
Outro experimento, em projeto junto à Universidade Federal do Paraná e a Embrapa de Bagé, foi o plantio de soja sem dessecação por químicos. Todo o tratamento da lavoura foi feito com biológicos, e o manejo deu resultados positivos.
— Isso aconteceu na seca de 2019 para 2020. Nossa média na lavoura foi de 30 sacos por hectare, e nessa área experimental, colhemos 33 sacos por hectare e a custo 40% menor — relata La Bella.
Segundo os sócios, o maior desafio da propriedade é fazer uma lavoura somente com biológicos. A meta para o futuro está em linha com o que se espera para a sustentabilidade no campo, com produções que aliem preservação e rentabilidade.