As sucessivas frustrações nas safras, o alto custo de produção e o elevado grau de endividamento levaram o setor arrozeiro gaúcho a uma severa crise nos últimos anos. Em uma década, a Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) calcula que o número de produtores no Estado caiu de 12 mil para 8 mil atualmente, evidenciando a perda de espaço da atividade em decorrência dos problemas enfrentados nas lavouras. Para reverter esse cenário, as propriedades vêm apostando cada vez mais em alternativas que garantam a viabilidade do cereal.
O mantra do momento no setor é diversificação de culturas dentro da propriedade. O tema, inclusive, será o mote da abertura oficial da colheita do grão em 2020, que ocorre entre 12 e 14 de fevereiro em Capão do Leão, no sul do RS. A ideia é que os produtores do cereal explorem outras atividades paralelamente, em especial o plantio de soja e a pecuária. Dessa maneira, seria possível diluir os custos de produção da lavoura de arroz e aumentar a produtividade, na percepção do presidente da Federarroz, Alexandre Velho. De quebra, a integração ajuda a impulsionar a renda gerada dentro da porteira.
— Além de sair da monocultura e não depender só do arroz, o produtor passa a ter alternativas integradas a esse sistema, que proporcionam redução de, pelo menos, 15% nos custos de produção e aumentam a produtividade da lavoura entre 10% e 20% — calcula Velho.
O Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) estima que aproximadamente um terço dos 940 mil hectares de arroz no Estado estão integrados com a soja. Com isso, em uma série de propriedades já se faz a rotação de culturas. Ou seja, na mesma área em um ano se planta arroz e no outro, a oleaginosa. Além disso, a pecuária também vem se tornando aliada dos arrozeiros. A formação de pastagens para o gado no inverno ajuda na absorção de nutrientes no solo e no controle de ervas daninhas, dando a perspectiva de melhores resultados no plantio do arroz realizado na primavera.
— Hoje, o produtor precisa pensar a propriedade como um todo, não só no arroz. Com integração, se ganha renda e se diminui os custos com maquinário, mão de obra e no controle de invasoras. Assim, garante sua sustentabilidade — enfatiza Guinter Frantz, presidente do Irga.
Hoje, o produtor precisa pensar a propriedade como um todo, não só no arroz. Com integração, se ganha renda e se diminui os custos com maquinário, mão de obra e no controle de invasoras. Assim, garante sua sustentabilidade.
GUINTER FRANTZ
Presidente do Irga
Custo da lavoura é maior do que em países vizinhos
Com propriedade em Alegrete, na Fronteira Oeste, Gustavo Flores passou a ver na integração uma maneira de garantir a viabilidade da fazenda. Hoje, tem 250 hectares de arroz e outros 450 de soja. Em cerca de 50 hectares é feita a rotação entre as culturas. Além disso, cria gado de corte no local. A partir da adoção do sistema, Flores notou os resultados melhorarem e passou a obter produtividade média de 9 mil quilos de arroz por hectare, resultado cerca de 20% superior à média gaúcha, de 7,5 mil quilos:
— Quem hoje tem o negócio limitado ao arroz vai sentir dificuldade. Com outras culturas, ajuda a compensar os custos. Nos últimos três anos, fechamos as contas no azul. Sem a integração, seriam anos de prejuízos.
Não é à toa que a busca por soluções que reduzam custos da lavoura de arroz se tornaram questão de sobrevivência no Rio Grande do Sul. Estudo elaborado pela Federação da Agricultura no Estado (Farsul) na safra 2018/2019 aponta que eram necessários R$ 6,7 mil para preparar cada hectare de arroz, 20% a mais em relação ao Uruguai e 51% acima da média na Argentina.
— Essa assimetria no custo de produção é a grande responsável do problema (saída de produtores da atividade). Como competir com um produto idêntico ao de outro país, com preço semelhante no mercado, mas tendo um custo de produção bem mais alto? Não tem como — lamenta Antônio da Luz, economista-chefe da Farsul.
O economista destaca que argentinos e uruguaios têm acesso a insumos, como fertilizantes, herbicidas e sementes, mais baratos do que os brasileiros. Há até casos de produtos fabricados no Brasil que são encontrados por preços menores nos países vizinhos. Para Luz, igualar as condições de competitividade passaria pela realização de reforma tributária e por maior abertura econômica dentro do Mercosul, permitindo que os produtores brasileiros possam ter acesso aos insumos com os mesmos preços que os hermanos.
Área é a menor desde 1998
A situação de dificuldade vivida pelo setor arrozeiro se reflete na área plantada para a safra 2019/2020, quando foram cultivados 940 mil hectares do cereal no Rio Grande do Sul. Isso representa queda de 4,5% frente ao ciclo anterior e significa o menor patamar de plantio desde a safra 1997/1998, quando havia 859 mil hectares. No período atual, a colheita deve chegar a aproximadamente 7 milhões de toneladas, queda de 3% frente a 2018/2019 e o pior resultado desde 2006/2007, quando se obteve 6,5 milhões de toneladas.
O presidente do Irga, Guinter Frantz, constata que a redução de área vem se intensificando nos últimos três anos. O dirigente aponta que, após prejuízos recorrentes, em razão de problemas climáticos ou baixa remuneração pela saca do grão, muitos produtores acabaram perdendo o interesse na orizicultura.
— Em outubro do ano passado, tivemos excesso de chuvas, o que atrasou o plantio, e mais recentemente, tivemos a estiagem. Foi uma safra de manejo difícil — pontua Frantz.
Confiança no preço eleva o otimismo
Com menos arroz no mercado nesta safra, o preço do grão vem subindo. A saca de 50 quilos fechou janeiro valendo R$ 49,53, conforme o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). Um ano antes, era negociada a R$ 40,17 e, em 2018, a R$ 36,76.
Em outubro do ano passado, tivemos excesso de chuvas, o que atrasou o plantio, e, mais recentemente, tivemos a estiagem. Foi uma safra de manejo difícil.
GUINTER FRANTZ
Presidente do Irga
O preço mais atrativo em 2020 permite que o produtor tenha perspectiva positiva em relação à comercialização do cereal e termine o período sem dívidas.
— Temos certeza de que este ano será melhor do que 2019. Hoje, na Fronteira, já conseguimos vender acima de R$ 50 a saca. Com boa produtividade, teremos um ano rentável — aponta Ramiro Toledo, administrador da Agropecuária Itapevi, de Maçambará.
Com produtividade média de 10 mil quilos por hectare, a Itapevi também aposta na diversificação de culturas para obter resultados acima da média. A propriedade tem 650 hectares de arroz, 380 de soja
e mais de 5 mil cabeças de gado. Metade da área com o cereal é irrigada com pivôs, o que permite a redução de custos e produtividade similar à da área com taipas.
— A lavoura irrigada com pivô é cerca de 28% mais barata. Ela utiliza metade da água e produz só 5% menos, às vezes produz até igual (em comparação com área inundada) — compara Toledo.
Aplicativo ajuda produtor a planejar cultivo
A tecnologia é outra aliada na hora de garantir rentabilidade às propriedades. Os produtores gaúchos de arroz deverão ter nas mãos ainda este ano um repertório de informações até então inédito na hora de planejar as próximas safras, o que permitirá melhorar a tomada de decisões e, consequentemente, poderá resultar em incremento no desempenho da lavoura.
Com dados referentes a cultivares do grão, histórico de chuva nos municípios do RS e funcionalidades voltadas ao acompanhamento do desenvolvimento da planta na propriedade, o aplicativo PlanejaArroz é uma das novidades apresentadas na abertura da colheita neste ano.
Desenvolvido por Embrapa, Irga, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o software estará disponível para celulares e computadores a partir do segundo semestre de 2020. O acesso será disponibilizado gratuitamente.
— Com base nos dados de anos passados e nas informações alimentadas pelo produtor, o aplicativo diz em quantos dias o arroz vai emergir, quando estará na fase de corte, qual é o melhor momento para adubação. O objetivo é ajudar a programar a lavoura arrozeira — destaca Giovani Theisen, pesquisador da Embrapa Clima Temperado.
Perspectiva é boa para exportação
A recente abertura de novos mercados, como México e Iraque, e o dólar acima de R$ 4 favorecendo as exportações devem fazer com que o arroz brasileiro ganhe mais espaço no Exterior em 2020. Responsável por 70% da produção nacional do cereal, o Rio Grande do Sul responde por cerca de 90% das exportações do Brasil. Dados parciais do Sindicato da Indústria do Arroz do Estado (Sindarroz-RS) referentes ao ano comercial, entre março de 2019 e janeiro de 2020, indicam que as vendas internacionais totalizaram 1,3 milhão de toneladas — queda de 21% frente ao período anterior.
Temos a esperança de superar o volume de exportações do ano comercial anterior e seguir atendendo mercados de alto valor agregado, como Peru e Iraque.
TIAGO BARATA
Diretor-executivo do Sindarroz-RS
No entanto, no arroz beneficiado, de maior valor agregado, o leque de destinos cresceu de 84 para 96 países em 2019, recorde do setor. O destaque ficou por conta do início das exportações para o Iraque, que se transformou no segundo maior comprador do produto, atrás somente do Peru.
— Temos a esperança de superar o volume de exportações do ano comercial anterior e seguir atendendo mercados de alto valor agregado, como Peru e Iraque. Também estamos começando a enviar os primeiros contêineres para o México, um mercado que era cativo dos Estados Unidos e no qual estamos começando a entrar — afirma Tiago Barata, diretor-executivo do Sindarroz-RS.
A retomada dos negócios com parceiros comerciais antigos também está na pauta da indústria, segundo Barata. Uma das metas em 2020 é voltar a embarcar o cereal para a Nigéria, país que já foi um dos principais destinos do arroz brasileiro e que havia parado de comprar o produto nos últimos anos.