Cerca de 200 países aprovaram, neste sábado (23), na COP29, em Baku, que os países ricos aportem US$ 300 bilhões (cerca de R$ 1,7 trilhão) para os países em desenvolvimento fazerem frente às consequências das mudanças climáticas.
Após duas semanas de negociações complicadas no Azerbaijão e já na prorrogação da conferência, as partes aceitaram que os países ricos contribuam com US$ 300 bilhões anuais até 2035 para que as nações em desenvolvimento possam enfrentar as consequências do aquecimento global — um valor inferior ao que tinham pedido.
A cifra é maior que o número divulgado no rascunho da última sexta (US$ 250 bilhões anuais), mas muito aquém do US$ 1,3 trilhão pleiteado por países em desenvolvimento, incluindo a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva.
— Não é o momento de dar a volta da vitória — disse o chefe do clima da ONU, Simon Stiell.
Mercado de carbono
Os países ricos poderão cumprir suas metas climáticas pagando aos países da África ou da Ásia ao invés de reduzir suas próprias emissões de gases de efeito estufa.
A decisão foi recebida com aplausos e chegou após três anos de um debate espinhoso sobre o comércio de créditos de redução de emissões de carbono.
Até agora, os créditos de carbono eram usados sobretudo por empresas que queriam reduzir suas emissões, a fim de se apresentarem como companhias com um balanço de emissões de carbono neutro, e o faziam em um mercado alheio à normativa internacional e marcado por muitos escândalos.
Mas, a partir de agora, para alcançar suas metas climáticas, os países –sobretudo, os ricos, mais contaminantes – poderão comprar créditos de carbono ou firmar transações diretamente com outros países com melhores ações inclusive no estabelecido em seus próprios objetivos.
Esta possibilidade estava prevista no artigo 6.2 do Acordo de Paris de 2015, e a decisão deste sábado a torna efetiva. Vários especialistas dizem temer que estes mecanismos permitam que os Estados se declarem menos contaminantes do que realmente são, criando uma maquiagem verde ou "greenwashing" em larga escala.
No entanto, os países em desenvolvimento, principalmente africanos e asiáticos, contam com estas transações para obter financiamento internacional.
Suíça, a pioneira
Os países ricos financiariam atividades que reduzam as emissões de gases de efeito estufa nos países mais pobres, como plantio de árvores, substituição de veículos com motor a combustão por elétricos ou a redução do uso do carvão. Em seguida, registrariam em seu próprio balanço de carbono a redução correspondente de emissões.
Antes mesmo da aprovação dos países-membros da ONU, já tinham sido assinados 91 acordos bilaterais, especialmente por Japão, Coreia do Sul e Singapura, para 141 projetos piloto, segundo dados das Nações Unidas de 7 de novembro.
A Suíça assinou um acordo com Gana para reduzir suas emissões de metano procedentes de resíduos, e um pacto com a Tailândia para financiar uma frota de ônibus elétricos em Bangcoc. Esta é a única transação realizada no momento.
— Se temos a possibilidade de uma redução (de emissões) no Exterior e, ao mesmo tempo, ajudar (estes países) é uma (operação) na qual todos ganham — disse na COP29 o ministro do Meio Ambiente da Suíça, Albert Rösti.
"Ameaça"
Os promotores das transações de carbono ressaltam que elas permitem gerar receita nos países em desenvolvimento. Mas, seus críticos temem que, com elas, os países se dediquem mais a assinar cheques ao invés de reduzir as emissões em seus territórios.
— Esta é a maior ameaça contra o Acordo de Paris — disse à AFP Injy Johnstone, pesquisadora especializada na neutralidade de carbono na Universidade de Oxford e que acompanhou de perto as negociações finais em Baku. Seu temor é que muitos países "se apoiem nele para alcançar —seus objetivos.
Projetos à espera
Paralelamente a este sistema descentralizado, existirá outro sistema — centralizado — de Estados a Estados de intercâmbios de créditos de carbono, aberto tanto para os países quanto para as empresas, conhecido com o nome de "artigo 6.4" no jargão da ONU.
No primeiro dia da COP29, os países adotaram novas normas que enquadram este mercado, com o que apresentaram como padrões melhorados, sob a supervisão de um órgão das Nações Unidas.
— O mercado poderá começar a andar, há muitos projetos à espera —e xplicou Andrea Bonzanni, do organismo IETA (International Emissions Trading Association), que reúne mais de 300 membros, inclusive empresas de energia como BP e TotalEnergies.
Apesar do impulso dado na COP29, vários especialistas duvidam que a qualidade dos créditos de carbono vá aumentar realmente nestes mercados regulados.
Segundo Erika Lennon, advogada no Centro para o Direito Internacional do Meio Ambiente (CIEL, na sigla em inglês), será preciso ver se estes mercados "não criariam ainda mais problemas e escândalos que os mercados voluntários de carbono", isto é, os mercados não regulados entre empresas.
Vários estudos têm demonstrado a ineficácia de muitos projetos que tinham sido certificados por organismos privados pouco rigorosos, às vezes em detrimento das populações locais