Como serão as cidades daqui a 60 anos? É a pergunta que guia um estudo da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, que criou um mapa interativo com projeções para o clima global em 2080.
São feitas estimativas para 40,5 mil cidades, 14 delas no Rio Grande do Sul (veja no mapa abaixo). Outra possibilidade é relacionar quais locais têm hoje o clima esperado para daqui a seis décadas se seguir a tendência de aquecimento do planeta.
Dois cenários são projetados. O pior mostra a disparada na temperatura caso as emissões de gases de efeito estufa sigam no ritmo observado atualmente. O segundo estima um contexto de emissões semelhante ao acertado no Acordo de Paris, que propõe limitar o aumento médio da temperatura a no máximo 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
Para especialistas, o estudo norte-americano apresenta situações factíveis, com tendência a que o planeta viva o pior cenário, com aumento na temperatura entre 2°C e 5ºC neste século.
Se a projeção se confirmar, gaúchos observarão crises climáticas mais frequentes, como episódios de chuva excessiva e deslocamento de fumaça causada por incêndios florestais.
Como funciona
Além de simular o clima em dois contextos de emissão de gases, o trabalho detalha o impacto nos verões e invernos.
O modelo estima o significado de cada conjuntura. Isso é feito por meio de uma relação entre o clima atual e o projetado. Por exemplo: cidade “A” terá, em 2080, o clima que a cidade “B” tem atualmente.
O resultado é obtido por meio de uma média de cinco modelos climáticos (veja quais são aqui). Também é possível ver a correspondência de cada modelo para a cidade com o clima mais parecido. Por ser mais abrangente, esse foi o método escolhido para esta reportagem. Por isso, será apresentada a cidade com a melhor correspondência (a média dos cinco modelos) e as demais de cada modelo que "formaram" a média.
Rumo ao cenário pessimista?
Na pior conjuntura, Porto Alegre viverá, em 2080, um clima semelhante ao que tem hoje Puerto Esperanza, na Argentina. O verão na Capital será 3,7ºC mais quente e 10% mais úmido. É projetado um inverno 3,7°C mais quente e 18,9% mais úmido.
Outras cidades citadas hoje como a “Porto Alegre do futuro” são Puerto Iguazu e Montecarlo, na Argentina, San Cosme y Damián e Caaguazú, no Paraguai, e Frederico Westphalen, no norte gaúcho.
— Estar 3,7°C mais quente é muito. Se o pico do verão for 39°C, você soma 3,7°C. Um contexto climático assim leva ao aumento de eventos climáticos extremos, como chuvas intensas, secas prolongadas e ondas de calor. Também significa uma maior temperatura em corpos d’água, com mudanças de correntes marítimas, maior evaporação de água na atmosfera e degelo de calotas polares — explica Jean Ometto, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador científico da plataforma AdaptaBrasil.
Se a emissão de gases for reduzida (e ficar perto da meta do Acordo de Paris), o verão na Capital será 1,2°C mais quente e 6% mais úmido; o inverno tenderá a ser 1,3°C mais quente e 11,4% mais úmido. O clima vivido pelos porto-alegrenses em 2080 estará próximo ao notado hoje em Ivoti, no Vale do Sinos.
Há outras cidades que têm atualmente climas parecidos: São Luiz Gonzaga, nas Missões, Teutônia, Vale do Taquari, Viamão, na Região Metropolitana, Chapecó, Santa Catarina e Bernardo de Irigoyen, Argentina.
Francisco Eliseu Aquino, climatologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é pessimista ao visualizar a possibilidade de ocorrência do cenário mais brando:
— Não acredito que teremos êxito com o Acordo de Paris, mas sim superá-lo (o limite de aquecimento proposto). Na minha avaliação, já temos invernos mais quentes, inclusive o deste ano, apesar da sequência de dias frios. Vamos seguir com invernos mornos na climatologia de longo prazo, pois não conseguiremos mitigar (a emissão de gases). O estudo não é alarmista.
Jean Ometto acrescenta que as projeções que usam modelos climáticos carregam um nível de incerteza por conta do longo prazo. Ainda assim, define como “factíveis” as previsões apresentadas no estudo norte-americano:
— Por mais que (o modelo do pior cenário) seja “catastrófico”, as emissões das últimas décadas nos levam ao futuro descrito por esse cenário.
Outros exemplos de cidades brasileiras (no cenário pessimista):
Brasília (DF): verão 6°C mais quente e 19,2% mais seco. Os invernos projetados seriam 4,4°C mais quentes e 23,2% mais secos. Situação parecida com a de Rondonópolis (MT) atualmente.
São Paulo (SP): aumento de 3,8°C na temperatura no verão e 5,8% na umidade na mesma estação. É projetado o inverno 4,1°C mais quente e 40,6% mais úmido. O clima em 2080 seria semelhante ao vivido atualmente em Ribas do Rio Pardo (MT).
Florianópolis (SC): a capital terá os verões 4°C mais quentes e 1,7% mais secos. Invernos serão 4°C mais quentes e 2,9% mais úmidos. Cidade correspondente hoje: Miracatu (SP).
Curitiba (PR): verões 3,7°C mais quentes e 8,2% mais úmidos. Já os invernos deverão ser 3,8°C mais quentes e 20,4% mais úmidos. O clima local futuro pode ser comparado ao atual de Apucarana, no mesmo Estado.
Manaus (AM): é esperado que o clima futuro seja “diferente de tudo o que já foi encontrado em qualquer lugar da Terra”, portanto não há correspondências climáticas.
Como o mapa foi feito
O estudo usa dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) e foi feito pelo ecologista Matthew Fitzpatrick.
Em 2019, o pesquisador publicou o trabalho com foco no futuro nas cidades dos Estados Unidos; por isso é usada a projeção de 60 anos, 2020-2080.
A estimativa (leia aqui) foi ampliada para os demais países, com publicação do mapa em junho deste ano. O mapeamento, porém, não considera fenômenos capazes de alterar a dinâmica do clima, como o aumento do nível do mar, queimadas, derretimento das geleiras e outros fatores oriundos das mudanças climáticas.
Fitzpatrick diz que “devido à magnitude da mudança climática esperada” a correspondência pode não ser semelhante, especialmente para as cidades próximas do Equador.
Segundo ele, muitos locais podem experimentar "um clima futuro diferente de tudo o que está presente na Terra hoje, especialmente se as taxas de emissões de gases de efeito estufa não forem reduzidas”.