Estudar as mudanças climáticas e monitorar a influência da Antártica no clima do Estado estão entre os objetivos de uma expedição liderada por pesquisadores do Rio Grande do Sul.
Em 22 de novembro, eles embarcarão em Rio Grande, no sul gaúcho, para uma viagem de dois meses ao redor do continente congelado. No período, serão percorridos mais de 20 mil quilômetros.
Estudos biológicos, químicos e físicos estão planejados a partir das amostragens coletadas. A expedição também fará um levantamento aéreo das massas de gelo, que servirá como base para análises das geleiras diante das mudanças do clima.
O trabalho é coordenado pelo pesquisador Jefferson Cardia Simões, do Centro Polar e Climático (CPC), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Um dos focos é estudar a estabilidade das áreas da costa, onde as geleiras chegam, em um cenário de continuidade de aumento da temperatura. Se o gelo escorrer mais rápido para o oceano, aumentará o nível médio dos mares mais do que o previsto pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês). Essa é uma das preocupações da comunidade científica — afirma Simões, que participará da 27ª expedição ao continente.
A viagem terá 61 pesquisadores, 27 brasileiros de instituições associadas ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT da Criosfera) e a projetos do Programa Antártico Brasileiro (Proantar).
UFRGS e a Universidade Federal do Rio Grande (Furg) representam o Estado na empreitada. Os demais pesquisadores são da Argentina, Chile, China, Índia, Peru e Rússia.
O grupo é composto por profissionais de diversas áreas do conhecimento, que farão a maioria das pesquisas no oceano. No entanto, helicópteros serão utilizados para levar os estudiosos a pontos da costa para a coleta de amostras. Também há previsão de paradas em estações russas e chinesas ao longo do deslocamento. Não serão feitos acampamentos no continente, a exemplo de outras expedições à região.
O coordenador lembra que, em uma viagem entre 2016 e 2017, os cientistas fizeram uma circum-navegação pelos pontos do norte do continente. A expedição que começará no próximo mês será mais longa e é definida pelos organizadores como “uma das mais ambiciosas missões” à região.
— As frentes frias que chegam ao Rio Grande do Sul são formadas no oceano que vamos estudar. Essa relação é essencial para melhorarmos a previsão climática e para montarmos cenários das mudanças do clima no futuro, mas, para isso, dados e coletas de amostras são necessários para os estudos — acrescenta.
O percurso será feito pelo navio quebra-gelo científico Akademik Tryoshnikov, do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica, da Rússia. A expedição é 97% financiada pela fundação suíça Albédo Pour la Cryosphère, dedicada ao estudo e à preservação da massa de neve e do gelo planetário. Também há apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).
Estudar o aquecimento global
Professor do Departamento de Geografia da UFRGS, Francisco Eliseu Aquino coordenará as pesquisas do grupo de climatologistas na expedição. Esses especialistas terão como foco monitorar a atmosfera, coletar a chuva e estudar a dinâmica dos rios atmosféricos.
— Quando perfuramos trincheiras, vamos contar a história dos últimos anos, os mais quentes deste século. Vamos entender e ampliar a compreensão dos cenários de climas extremos e desastres para as próximas décadas — pontua Aquino, que estará em sua 19ª viagem à Antártica.
Segundo ele, a expedição criará uma base de conhecimento sobre a influência do continente em eventos extremos, como no caso da chuva anormal observada no Estado em maio. Por ter 90% do gelo do planeta, a Antártica funciona como um resfriador; por isso, uma mudança na região altera o comportamento de outras partes da Terra.
— Os eventos de 2023 e 2024 (chuvas atípicas no RS) mostraram um ambiente favorável à criação de tempestades severas. A quantidade e o que dispara estes fenômenos são, em muitos casos, frentes frias da Antártica. A oportunidade de circum-navegar o continente, monitorar ciclones, a atmosfera e o oceano após os eventos extremos permite investigar as conexões com o Brasil — explica.
*Colaborou Matheus Schuch