Os deslizamentos de terra registrados em Gramado são explicados por fatores como a chuva forte, construção de estruturas em áreas com declives e a formação geológica da Serra, dizem especialistas.
Foram, porém, fissuras incomuns no pavimento de vias que destoaram de enxurradas anteriores em Gramado.
— São rachaduras que demonstram o início de um processo de colapso em encosta declivosa e inadequadamente ocupada, onde houve intensa remoção de floresta. A quantidade de chuva carregou o solo com água, aumentou o peso, diminuiu a coesão e gerou um sistema de ruptura na cabeceira do deslizamento da encosta — resume Rualdo Menegat, doutor em Geologia e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Ele acrescenta que os sinais são preocupantes:
— Essas evidências mostram o início do processo de deslizamentos de grande unidade, que poderá ocorrer nesse evento ou mais adiante. Toda essa região a jusante (na direção) dessas rachaduras está propensa ao colapso, gerando grandes deslizamentos, como vimos em Petrópolis e Teresópolis (no Rio de Janeiro) em 2011.
Segundo o pesquisador, a geologia de Gramado é composta por rochas vulcânicas formadas há 134 milhões de anos que integram a Serra Geral.
No último fim de semana, ao menos quatro regiões da cidade registraram movimento de massa. A situação mais grave, envolvendo a morte de duas pessoas soterradas, ocorreu na Linha Marcondes Baixa, na tarde de sábado (18). Já em outra região da cidade, nesta quinta-feira (23) desmoronou um prédio que estava evacuado desde o domingo (19). Ninguém se feriu.
Confira os pontos críticos
Chuva influenciou nos deslizamentos
Fernando Meirelles, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acrescenta que o alto volume de chuva nos últimos meses no Estado ajuda a explicar o cenário vivido na cidade da Serra.
— O que observamos em Gramado foi a perda da capacidade do solo de se sustentar na posição que ele está, o que causa o escorregamento da encosta. Tivemos uma primavera muito chuvosa, com pouca incidência de sol e baixa evapotranspiração, ou seja, as plantas não estão conseguindo retirar água do solo, que está encharcado — diz.
A tendência é que outros episódios de movimento de massa ocorram em caso de novos períodos de chuva, Meirelles afirma:
A medida mais efetiva é mais drástica: rever o zoneamento da ocupação do solo do município.
FERNANDO MEIRELLES
Professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS
— Nessas encostas inclinadas, o solo é mais raso, a rocha está próxima da superfície. Então o volume de solo onde a água pode se infiltrar é pequeno: uma quantidade grande de chuva, como tem caído, encharca rapidamente o solo. Nossa expectativa positiva seria ter duas ou três semanas de tempo seco para que esse solo drene e volte a ter capacidade de receber mais água. Mas se continuar chovendo, mesmo chuvas menores podem causar problemas.
Segundo o professor da UFRGS, remediar a situação é uma tarefa complexa: obras emergenciais poderiam prejudicar a situação do solo e induzir novas movimentações por conta do tráfego de máquinas e equipamentos pesados.
— O procedimento correto é o que está sendo feito: isolamento do local, esvaziamento da população e tentar salvar alguma coisa, mas tem que esperar o solo secar e fazer uma nova avaliação. O que se pode fazer no futuro é repensar a rede de drenagem: ampliar a cobertura de bueiros e canalizações para reduzir o volume de água que escorre sobre a encosta e vá encharcando cada vez mais os terrenos abaixo na encosta. A medida mais efetiva é mais drástica: rever o zoneamento da ocupação do solo do município — pontua Meirelles.
Atenção às particularidades da Serra
Bruno Susin, engenheiro civil e professor de Geotecnia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), diz que as características geológicas de Gramado causam dificuldades durante a construção de um empreendimento. Isso, porém, não significa que todos os prédios erguidos em encostas na cidade da Serra ofereçam perigo aos moradores.
— O principal fator que agrega risco às áreas é a declividade, mas isso depende da situação da área, do material daquele local e do sistema de drenagem. A água também é causadora do rompimento (do solo). Então, é necessário um sistema de drenagem, geometria adequada quando for projetar e ocupar uma área. São fatores que influenciam a presença ou a ausência de riscos — explica.
O especialista acrescenta que “cada lugar é um lugar” e, portanto, não há um padrão a ser seguido ao construir. Ou seja, os empreendimentos devem estar baseados em um conhecimento consistente da geologia dos locais.
— Nossa região está em um contexto geotécnico bastante singular e complexo, que é a presença constante de rocha. Muitas vezes, ocorre a carência de investigação para entender como esse meio físico se comporta. É preciso que a sociedade e o mercado busquem um geólogo ou um engenheiro civil que tenha capacitação, para orientar uma (construção) e evitar que se conviva com um risco desconhecido — pontua.
Repensar a presença do meio ambiente
Danielle Martins, doutora em gestão de risco de desastres e coordenadora do Laboratório de Vulnerabilidades, Riscos e Sociedade (LaVuRS) da Universidade Feevale, coloca a situação vivida em Gramado dentro de um contexto de ocupação de espaços naturais que não considera o risco e as consequências da presença humana.
— O avanço do conhecimento nos deu uma sensação de que somos invencíveis, que dominamos qualquer questão. As mudanças climáticas nos mostram que não somos donos do planeta, mas apenas mais um elemento. É preocupante que, em pleno século 21, ainda não tenhamos entendido que temos de respeitar os limites dos recursos naturais — comenta.
A professora atenta para o fato que episódios como os deslizamentos na Serra e as enchentes no Estado são questões ambientais, tema que, para ela, ainda é pouco tratado em escolas e é desconhecido por parte dos gestores públicos. Danielle defende que planos diretores dos municípios precisam ser efetivos quanto à ocupação humana em áreas propensas a desastres.
— A margem é um espaço que o rio tem para transbordar quando chove muito. Uma área declivosa é preocupante porque existe a tendência natural a escorregar. São pontos com fragilidades conhecidas, mas que, mesmo assim, têm empreendimentos, estradas e atividades agrícolas. É sabido que são locais que vão sofrer prejuízo, então são situações que não podem ser vistas como fatalidades da natureza — pontua.
O que diz a prefeitura de Gramado
Por meio da assessoria de imprensa, o Executivo gramadense disse que aguarda "informações técnicas" sobre causas dos deslizamentos. Nesta quinta, a prefeitura se reuniu para analisar a situação com o Corpo de Bombeiros Militar e a Brigada Militar. As equipes técnicas reafirmaram que não há previsão de liberação das áreas interditadas pois existe instabilidade do solo em diversos pontos.