Juliana Alves, 40 anos, segurava uma folha de papel escrita à mão enquanto esperava a autorização para entrar em casa, no início da tarde desta sexta-feira (24). A residência dela fica no bairro Três Pinheiros, em Gramado, um ponto que teve de ser evacuado no último fim de semana por conta do risco de desmoronamento de uma encosta.
Autorizada pela Brigada Militar, Juliana e o marido, Marcelo Alves, 45 anos, rumaram para a moradia, onde receberam 15 minutos para reunir pertences e sair.
— Esse papel é uma lista de coisas que minha filha pediu: alguns jogos e livrinhos que ficaram em casa e que a gente não conseguiu pegar quando saímos — contou a auxiliar administrativo, mãe de uma menina de oito anos.
Dentro do imóvel, o casal correu para encher três malas de viagem com o pedido da criança, roupas e itens necessários para passar outra semana fora de casa. Desde quando saíram da moradia, no domingo (18), a casa da família é um quarto de hotel em Gramado cedido por um amigo deles. Tequila, a cachorra, foi abrigada na casa da mãe de Juliana, em Canela.
Na próxima semana, o planejamento deles é seguir para um imóvel de outro conhecido, que emprestou o espaço sem custos por ao menos 30 dias.
— Sinto gratidão pelos nossos amigos estarem nos ajudando a todo momento. Estou preocupado com quem não consegue alugar, não tem amigos ou não tem para onde ir — pontuou o consultor de vendas.
Sem a casa própria, eles tiveram de enfrentar uma repentina “inflação” nos preços, segundo Marcelo:
— Vimos um aluguel de um lugar ir de R$ 1,2 mil para R$ 4 mil: o dono falou que precisava aumentar porque a procura estava grande.
O bairro Três Pinheiros fica abaixo do ponto onde desmoronou o Residencial Condado Ana Carolina, na madrugada de sexta-feira (23). A encosta é cortada pela Perimetral - ou Estrada da Pedreira -, que conecta a RS-115 e a RS-235, trecho que também está fechado para o tráfego de veículos em razão do perigo.
As barreiras de contenção às margens da via formaram uma espécie de “barriga” , pois parte da estrutura cedeu no último fim de semana. Fissuras no asfalto também foram reportadas. O temor da prefeitura de Gramado é que a terra siga em direção ao bairro e atinja as moradias.
Para evitar furtos, o acesso ao Três Pinheiros é monitorado por policiais militares e é permitida a entrada rápida de moradores, conforme a reportagem acompanhou durante a sexta-feira.
Vimos um aluguel de um lugar ir de R$ 1,2 mil para R$ 4 mil.
MARCELO ALVES
Morador de Gramado
Segundo a prefeitura de Gramado, há 526 pessoas (cerca de 200 famílias) fora de casa por conta do risco de deslizamentos em diversos pontos: além do bairro Três Pinheiros, pessoas foram interditadas moradias nos bairros Altos da Viação Férrea (três casas), Prinstrop (uma casa) e Piratini (23 casas), na Rua Ladeira das Azaleias, (dois condomínios), e Rua Alameda das Rosas (duas casas), ambas no bairro Planalto, Linha Caboclo (duas casas). GZH apurou nesta sexta que cinco famílias estavam abrigadas em dois ginásios, o que totaliza 45 pessoas, conforme a prefeitura.
Na manhã de sexta, o Executivo gramadense informou que novos estudos serão apresentados na próxima semana para avaliar a possibilidade de autorizar o retorno dos moradores.
— Precisamos de uma solução, de uma resposta, para ontem. Os órgãos responsáveis nos passaram que estão trabalhando, mas de que forma? Nossa necessidade é maior do que a agilidade deles — diz Juliana, que assegura não ter recebido nenhuma ajuda financeira da prefeitura após a saída de casa.
O casal mora na residência do bairro Três Pinheiros há nove anos: o terreno fica às margens da estrada e foi comprado do pai de Marcelo, que também vive no bairro e teve de abandonar o local no domingo. Eles afirmam que a ideia é retornar, ainda que exista desconfiança com o comportamento da encosta vizinha.
— Vai ser difícil voltar, principalmente quando ocorrer a primeira chuva. Mas não pensamos em sair dali, pelo menos não por enquanto. Muitos moradores que pagam aluguel já se mudaram — conta Marcelo.
Outro desafio relatado pelos dois é o convívio da filha com a situação.
— O psicológico dela está abalado: ela nos diz que está angustiada e preocupada em perder tudo — relata a mãe.