Medida essencial na agenda de transformação verde do Brasil do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a regulação do mercado de carbono finalmente deverá ocorrer nos próximos meses, após a proposta do governo ser apresentada ao Congresso Nacional em 21 de agosto.
O projeto foi coordenado pelo Ministério da Fazenda, mas debatido por 10 ministérios e com setor produtivo antes de ser apresentado à Câmara dos Deputados, por meio de um substitutivo da senadora governista Leila Barros (PDT-DF), presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado. A Comissão de Meio Ambiente do Senado recebeu na quarta-feira (20) o novo relatório. Por um acordo firmado entre senadores da oposição e do governo, foi concedido pedido coletivo de vista - ou seja, mais tempo para análise da proposta. O projeto deve ser votado na próxima semana.
A regulação acontecerá para pessoas físicas ou jurídicas que lancem mais de 25 mil toneladas de CO2 por ano na atmosfera — estas passarão a ter limite para poluir. O texto não detalha quais setores serão impactados, mas a expectativa é de controle sobre indústrias. O agronegócio deve ficar de fora, mas grandes frigoríficos podem ser incluídos.
Apenas 0,1% das empresas do Brasil poluem nesse nível, mas são responsáveis por quase metade das emissões nacionais em atividade industrial, segundo estimativa do governo – desmatamento e agropecuária são as grandes poluentes no país. Regular o mercado de carbono pode trazer ao Brasil US$ 120 bilhões, ou R$ 584,1 bilhões, até 2030, segundo estimativa da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil).
— É um projeto a muitas mãos para auferir a oportunidade que o Brasil tem em relação ao mercado regulado de carbono, para que a gente possa ser endereço dos créditos mais íntegros que o mundo pode ter como oferta — afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em coletiva de imprensa ao lado da senadora Leila Barros após o substitutivo ser enviado.
O que é o mercado de carbono
A ideia do governo é de que o país constitua um Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), nome oficial para o mercado regulado de carbono, comum em países ricos. A prática se refere a uma regulação econômica que estabelece um teto de emissão de gases do efeito estufa para pessoas físicas ou jurídicas. A partir daí, quem polui demais compra “créditos de carbono” (ou seja, permissões de emissão de CO2) de quem polui menos.
A medida terá forte impacto na indústria brasileira ao incentivar e, posteriormente, exigir que fábricas não poluam mais do que um limite definido pelo governo. Assim, o país fica mais próximo de cumprir as metas do Acordo de Paris de redução de gases do efeito estufa.
Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2. Se o limite de emissão é de 100 créditos por ano, uma empresa que não é “verde” o bastante e emitiu 110 créditos de carbono ao fim do ano poderá comprar 10 cotas daquela que fez o dever de casa e emitiu 90 créditos.
O crédito pode ser gerado por reflorestamento, manejo sustentável do solo, adoção de sistemas agroflorestais, troca de matriz energética e gestão de resíduos, por exemplo. Na prática, um produtor que planta árvores pode receber dinheiro de empresas para que elas compensem suas emissões de carbono pelo reflorestamento.
O limite possível de poluição é mais alto no início, para empresas terem tempo de se adaptar, mas cai, ano após ano, a ponto de penalizar, com cobrança, as atividades econômicas que insistirem em manter rotinas produtivas que não sejam adaptadas à emergência climática.
Não se sabe ainda se o governo levará em conta apenas os gases emitidos em “chaminés” de fábricas ou também a poluição emitida por caminhões e no transporte de produtos. Mas o mercado regulado de carbono que o Brasil adotará é o mesmo modelo da União Europeia e de mais 30 outros países, observa Shigueo Watanabe Júnior, pesquisador do Instituto Talanoa, think tank de política climática. Na União Europeia, o mercado de carbono foi criado em 2005 e, hoje, cobre 40% das emissões europeias.
— O mercado de carbono apareceu porque, para combater a mudança climática, você precisa mudar o sistema produtivo e parar de emitir gases. Aí você atribui um preço à emissão: quanto mais você emitir, mais você terá que pagar. Chegará uma hora em que o custo da empresa ao poluir será tão alto que será preciso trocar processos para emitir menos gases — diz o pesquisador, que explica:
Você atribui um preço à emissão: quanto mais você emitir, mais você terá que pagar. Chegará uma hora em que o custo da empresa ao poluir será tão alto que será preciso trocar processos para emitir menos gases.
SHIGUEO WATANABE JÚNIOR
Pesquisador do Instituto Talanoa
— No fundo, você aumenta o custo de produção porque você quer que o consumidor diga que não comprará um produto porque polui mais. Não se quer que ninguém quebre, mas que o setor produtivo continue produzindo, sem poluir. Alguns setores, como siderurgia, cimento, papel e química precisam entrar rapidamente no mercado regulado e reduzir emissões.
Hoje, o Brasil tem apenas um mercado voluntário de créditos de carbono no qual grandes empresas adotam metas de forma voluntária para se adequar à agenda ESG (sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa, na sigla em inglês) – sem qualquer obrigação.
O foco do mercado regulado de carbono é nas indústrias porque não há como regulamentar o desmatamento ilegal e é difícil medir com precisão a emissão de gases da pecuária. No geral, entram na regulação os setores industrial e energético, explica Eduardo Baltar, doutor em Inovação, Tecnologia e Sustentabilidade pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e CEO da consultoria Ecofinance Negócios, que trabalha com mercado de carbono.
— O Brasil já vem dando alguns passos na direção, temos várias empresas e setores avançados na agenda verde. O país tem histórico grande de energia renovável e de combustível renovável, com uso de etanol e biodiesel. O mercado regulado é um passo importante para guiar o crescimento da indústria nesse contexto. Isso vai impactar a vida das pessoas, que verão os efeitos nos produtos do supermercado — afirma.
O que diz a indústria
As indústrias gaúchas apoiam o mercado regulado de carbono, inclusive porque países ricos exigem práticas “verdes” para importar produtos brasileiros – todavia, alguns setores precisarão de ajuda para alterar seus processos produtivos, afirma Newton Battastini, coordenador do Conselho de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs).
— A Fiergs é favorável à implementação do mercado de carbono, é uma tendência mundial e uma exigência de países importadores do Brasil. Isso pode gerar um grande volume de receitas. Mas toda e qualquer atitude a ser colocada numa empresa exige investimento. É difícil, mas é um amadurecimento que precisa acontecer de todas as partes. Vamos chegar a uma boa pegada de carbono, mas não a curto prazo. A união de governo e indústrias será necessária. Não podemos colocar toda a responsabilidade nas costas da indústria. Mineração, alumínio e siderurgia, não vai ser fácil. Há resultados e esforços ao longo do tempo, mas precisa de tempo. Essas indústrias estão trabalhando para melhorar, nunca estiveram paradas, mas não será num piscar de olhos — diz Battastini.