Não bastassem as recorrentes estiagens, os produtores rurais gaúchos ganharam uma nova preocupação. Um conjunto de regras recém-aprovado pela União Europeia vai limitar, a partir de 2025, a importação de produtos agrícolas que não tenham comprovação formal de sustentabilidade.
Isso vai exigir o reforço de práticas já adotadas no Estado, como rotação de culturas e a integração entre pecuária, lavoura e floresta, além da capacidade de demonstrar a origem virtuosa dos itens vendidos para os europeus. Os gaúchos levam vantagem em relação a outras regiões do país que sofrem com altos índices de desmatamento, mas ainda há dúvidas sobre como criadores e agricultores deverão comprovar a procedência e a adequação de suas produções. Também há críticas de que parte das normas busca apenas criar barreiras comerciais: isso inclui o veto de importação mesmo quando a derrubada de árvores é legalizada e a classificação dos países em níveis de risco de preservação de suas florestas. Se o Brasil for alocado na faixa mais crítica, todos os Estados poderiam perder competitividade em um continente que rendeu R$ 250 bilhões ao país no ano passado.
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O chamado Green Deal, ou Pacto Verde, é na verdade um conjunto de ações em setores variados — como geração de energia, mobilidade ou agropecuária — que almeja transformar a Europa no primeiro continente a alcançar a neutralidade climática até 2050. Isso significa o equilíbrio entre a emissão e a absorção de gases relacionados às mudanças no clima. Para alcançar esse objetivo, é necessário reduzir de forma drástica a liberação de gases do efeito estufa e o consumo de produtos de alto impacto ambiental.
Em relação ao campo, as medidas já aprovadas alcançam sete cadeias produtivas, entre as quais duas afetam mais diretamente os gaúchos: a pecuária e a soja. A lista é composta ainda por café, cacau, madeira, borracha e óleo de palma. Em todo o Brasil, esses sete setores somaram R$ 86 bilhões em exportações para a Europa em 2022.
Diretor vice-presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Domingos Velho Lopes acredita que a preocupação em reduzir emissões e ampliar a absorção de carbono pode representar uma oportunidade para quem semeia práticas adequadas a fim de colher bons negócios.
— Nós temos capacidade de aumentar a produção sem avançar em área, e temos um arcabouço jurídico que garantiu a preservação de 65% da mata nativa no país. Mas não podemos só dizer que realizamos uma agricultura de baixo carbono. Teremos de comprovar isso — observa Lopes.
O dirigente da Farsul lembra que apenas 0,6% das solicitações de crédito rural encaminhadas por produtores gaúchos ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foram recusadas por indícios de desmatamento ilegal no primeiro semestre deste ano. O fato de a pecuária gaúcha estar historicamente vinculada ao Pampa, sem necessidade de corte de vegetação, e a possibilidade de combinar a criação do gado com lavoura e áreas de floresta — o que aumenta a produtividade e reduz a emissão de carbono — favorece o Estado na comparação com outras regiões do país.
Pastagens sequestram carbono, diz Embrapa
Outro desafio é criar uma metodologia que não leve em conta apenas o quanto o tipo de pecuária desenvolvido no Rio Grande do Sul emite de carbono, mas também o quanto captura. A doutora em zootecnia e pesquisadora da Embrapa Pecuária Sul Teresa Cristina Moraes Genro lembra que órgãos internacionais como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) só contabilizam as emissões.
— Se consideramos o ciclo completo, temos um serviço ecossistêmico onde as pastagens, se bem manejadas, sequestram carbono e drenam da atmosfera para o solo. Isso ainda não é considerado — afirma Teresa Cristina.
Nós temos capacidade de aumentar a produção sem avançar em área, e temos um arcabouço jurídico que garantiu a preservação de 65% da mata nativa no país. Mas não podemos só dizer que realizamos uma agricultura de baixo carbono. Teremos de comprovar isso
DOMINGOS VELHO LOPES
Diretor vice-presidente da Farsul
Entidades públicas e privadas, como a Embrapa, buscam coletar dados por meio de iniciativas como a medição das emissões de metano do gado para desenvolver fórmulas que representem de maneira mais fiel o impacto da pecuária extensiva gaúcha. Mas, no cenário nacional, há preocupações com possíveis impactos da nova legislação europeia sobre o Brasil como um todo. Uma das dúvidas é justamente como vai se provar que os produtores estão adequados às exigências da União Europeia, que incluem ainda respeito a legislações locais e a direitos humanos e trabalhistas, entre outros pontos. Isso deverá ocorrer por meio da concessão de certificados (selo indicativo de procedência ou de condições de produção), mas há questões em aberto.
— A maior parte dos nossos exportadores já tem certificações. Mas, no caso europeu, ainda não está claro que metodologia vai ser utilizada, que certificadoras serão aceitas, se certificados locais vão servir. Isso gera muita insegurança — avalia o vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Ingo Plöger.
Financiamento em alta para boas práticas
Presidente da seção gaúcha da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Carlos Fauth afirma que o setor não costuma trabalhar com certificações, mas avalia que o cultivo não tem relação com desmatamento no Estado e minimiza a importância da Europa:
— Nossos principais mercados hoje estão no Oriente e na Ásia, que precisa de comida. Os europeus querem prejudicar nossa agricultura com essas restrições porque são um continente em decadência.
Em meio às duvidas que florescem, os gaúchos seguem ampliando as iniciativas de sustentabilidade. Neste ano, 5,2 mil produtores do Estado foram contemplados com R$ 831 milhões em financiamentos que envolvem o uso de tecnologias do Plano ABC+, que estimula boas práticas no campo. Na linha do programa que concede crédito a médios e grandes produtores, o valor cresceu 37% em relação à safra anterior para uso em iniciativas como plantio direto, manejo de solo, florestas plantadas e sistemas de integração entre lavoura, pecuária e floresta. Esse tipo de ação aumenta produtividade e reduz emissões de carbono.
— Estamos unido esforços para ter um selo de qualidade vinculado ao Programa Carbono + Verde (iniciativa nacional que contempla 13 cadeias, incluindo soja e carne). Vamos falar disso na Expointer — afirma a secretária estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann, em referência à feira que deverá discutir, entre outros temas, o futuro do agronegócio gaúcho do outro lado do Atlântico.