O governo brasileiro vem estabelecendo contatos com representantes europeus sobre possíveis impactos da nova legislação da Europa que promete barrar a importação e circulação de produtos sem comprovação de sustentabilidade a partir de 2025.
Apesar dessas conversas, que ocorrem de forma bilateral, em fóruns mais amplos e no âmbito das discussões sobre o acordo entre Mercosul e União Europeia, o Ministério da Agricultura e Pecuária informa que "ainda não há um processo formal de negociação" a respeito do chamado Green Deal, e o Planalto não descarta recorrer à Organização Mundial de Comércio (OMC) questionando a legalidade de parte das medidas — que vetam produtos vinculados a desmatamento legal ou ilegal e preveem a classificação dos países em níveis de risco de corte de florestas com possível impacto na competitividade.
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Por meio de nota, o ministério informou a GZH que vem adotando medidas "em várias frentes de trabalho para disponibilizar a todos os produtores nacionais, seja de produtos agrícolas ou da pecuária, uma plataforma informatizada que integre e disponibilize, de forma gratuita, as informações exigidas pela legislação europeia sobre desmatamento. Isso está sendo feito, ainda que o governo federal continue com sérias dúvidas sobre a legalidade da medida europeia frente às regras multilaterais de comércio".
O governo considera que os parâmetros estabelecidos pelos europeus para classificar os países em faixas de risco de desmatamento são arbitrários. Por conta dessa classificação de risco, que ainda não foi divulgada, e de exigências contidas na norma, "todo e qualquer país que tenha preservado suas florestas ao longo do tempo tem risco de perder mercado, como o Brasil. Esta é uma das principais críticas à lei, pois é discriminatória, levando ao risco dos importadores europeus buscarem fornecedores com menor risco e, portanto, com menores exigências de diligência." Maiores taxas de desmatamento (mesmo legalizado) e de expansão de área agrícola tendem a classificar um país nas faixas mais críticas, que se dividem entre risco alto, médio e baixo.
Por conta disso, o ministério confirma ainda que "o Brasil segue se reservando o direito de questionar a legalidade da legislação europeia, seja no âmbito do sistema de solução de controvérsias (que integra a OMC) ou em outros foros adequados.
Entenda o que é o Green Deal
Objetivo: o chamado Pacto Verde europeu é um grande plano de ação que apresenta como objetivo transformar a Europa no primeiro continente climaticamente neutro em 2050. Isso significa reduzir de forma drástica as atuais emissões de carbono relacionadas ao aquecimento global e à crise climática. A meta intermediária é cortar em pelo menos 55% o lançamento dos gases do efeito estufa até 2030, em relação aos níveis de 1990.
Ações gerais: a proposta prevê uma série de medidas em diferentes áreas, que incluem o estímulo a fontes de energia limpa, busca por sustentabilidade na indústria, mais eficiência energética nas edificações, mobilidade sustentável, proteção da biodiversidade, redução do impacto ambiental na produção de alimentos (iniciativa batizada como "Do Campo à Mesa") e combate à poluição dos ecossistemas.
As regras para o agro: a sustentabilidade na produção de alimentos é um dos focos do pacto. Por isso, há um conjunto específico de medidas voltadas para a agricultura e a pecuária. Em resumo, proíbe a circulação de produtos que tenham origem em área desmatada depois de 31 de dezembro de 2020 (seja legal ou ilegal), exige o cumprimento das legislações ambientais dos países de origem e comprovação de "diligência devida", ou seja, de que toda a cadeia produtiva atende aos requisitos ambientais e de respeito a temas como direitos humanos e trabalhistas.
Cadeias afetadas: até o momento, sete cadeias produtivas são afetadas pelo pacto europeu: soja, café, carne bovina e couro, cacau e chocolate, madeira e móveis, borracha e, por fim, óleo de palma. A lista pode ser ampliada futuramente.
Classificação de países: um dos itens do Green Deal que preocupa o setor agrícola brasileiro é a previsão de que os países sejam classificados em faixas de "alto", "médio" ou "baixo" risco de que os produtos daquele exportador tenham vindo de uma área ligada ao desmatamento. Uma das razões da inconformidade é que o texto da legislação europeia não diferencia desmatamento legal ou ilegal. Dois fatores principais tendem a colocar um país em uma das faixas de risco: as taxas de desmatamento e de expansão agrícola. Isso colocaria na mira da legislação, segundo avaliações, países como Brasil, Indonésia ou Malásia.
Quem for classificado em níveis mais altos de risco fica sujeito a maior rigor na comprovação dos padrões de sustentabilidade. Além disso, como caberá ao importador comprovar que os produtos atendem à legislação europeia, ele poderá dar preferência a mercados de baixo risco em detrimento dos demais.
Punições: podem envolver suspensão das importações, apreensão ou destruição de produtos e multa de até 4% do faturamento anual da empresa responsável pela importação do produto em desacordo com as normas.
Prazo de aplicação: as novas normas já estão em vigor. Mas, como a legislação previu um prazo de adaptação até que as regras sejam fiscalizadas, vai ser aplicada de fato a partir de 2025.