Como solucionar o problema do excesso de plástico, que faz com que milhões de toneladas de sejam depositadas anualmente nos oceanos e tornam o microplástico presente no ar e até em nossos corpos? Em consenso, especialistas ouvidos por GZH afirmam que o plástico não deve ser demonizado – afinal, é um produto que facilita a vida de todos. Todavia, chegou a hora de repensar o uso e implementar o que especialistas chamam de três Rs: reduzir, reutilizar e reciclar.
Relatório publicado em março pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) mostra que é possível reduzir a poluição plástica em 80% até 2040. A entidade pede que governos incentivem a recompra do plástico pela indústria. “As regras de design para tornar os produtos economicamente recicláveis podem ser combinadas com metas para incorporar conteúdo reciclado e incentivos fiscais para usinas de reciclagem”, diz o estudo.
No Brasil, só 4% do lixo sólido é reciclado, segundo dados da International Solid Waste Association (ISWA). Em países em desenvolvimento como Chile, Argentina, África do Sul e Turquia, a média é de 16%. Na Alemanha, é de 67%. O professor de Biologia Marinha Guilherme Nunes destaca que a Política Nacional dos Resíduos Sólidos, de 2010, precisa ser implementada na prática.
— Responsabilidade compartilhada é a pessoa separar o lixo, o caminhão da coleta seletiva passar nos dias específicos e a indústria priorizar materiais mais facilmente recicláveis. Precisamos também reduzir a utilização de plástico de uso único (como copos de água e de café ou canudinhos). Seguindo essa lei, teria que acabar com lixões e ter aterros sanitários — diz o biólogo.
O plástico é útil e é impossível chegar a uma vida sem tal produto, mas há um exagero no uso, diz o engenheiro de produção Victor Fassina, mestre em Sustentabilidade Estratégica pelo Instituto de Tecnologia de Blekinge, na Suécia, e diretor-técnico da consultoria ambiental Mãos Verdes.
– O custo para produzir resina virgem é muito mais barato. Reinserir o plástico na cadeia produtiva é mais caro porque nossa infraestrutura industrial não é desenvolvida para isso. Grandes indústrias fizeram metas globais pela redução da produção de plásticos e para que as embalagens contenham um percentual de material reciclado. A conta é simples: precisamos revisar nosso modelo de consumo. Se eu não pegar o canudinho, as coisas vão ser melhores? É importante, mas é preciso ter uma regulação dos Estados para colocar um limite nesse exagero. Além disso, uma gestão eficiente de resíduos acaba, em última instância, com a chegada de plástico e microplástico à natureza – diz o engenheiro.
O que é jornalismo de soluções, presente nessa reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Dois Irmãos, no Vale do Sinos, recebeu uma série de prêmios pelas boas práticas de educação ambiental e de coleta seletiva. Houve uma mudança de mentalidade: até 1989, o lixo era incinerado em depósito a céu aberto. No início da década de 1990, a cidade começou a usar aterro sanitário, coletar lixo separado e investir em campanhas de conscientização. A indústria calçadista, carro-chefe da economia local, abraçou a ideia.
Todos os anos, mais de mil alunos do município visitam a Cooperativa de Recicladores de Dois Irmãos para entender que o lixo, depois de sair de casa, não desaparece. A prefeitura até criou dois mascotes que desfilam em Sete de Setembro: o Seleco e a Seleca, casal de sacolas de resíduos recicláveis.
– Foi um grande movimento do poder público e da iniciativa privada. Hoje, temos 2 toneladas de resíduos coletados todos os dias. Desse total, cerca de 20% vai para a reciclagem – diz, orgulhoso, o prefeito de Dois Irmãos, Jerri Meneghetti (Progressistas), uma vez que a média brasileira é de 4%.
Todos os dias, entre três e cinco caminhões de lixo seco chegam à cooperativa. O resíduo desce por uma esteira e, na sequência, é separado por material e cor por trabalhadores. Alguns tipos de plásticos são moídos e reciclados ali mesmo para serem revendidos às indústrias – que retransformam o material em mangueiras, garrafas, lonas e baldes. É a chamada “economia circular”.
A cooperativa emprega 38 pessoas, cujos salários chegam a até R$ 3 mil ao mês, valor alto para a função. O trabalho dos funcionários depende da consciência dos moradores ao separar o lixo em suas casas.
– O microplástico se forma a partir da decomposição do plástico, por isso a importância de uma estrutura como a da cooperativa. Todos os municípios deveriam ter coleta seletiva bem implementada. Isso facilita muito – diz o presidente da cooperativa, Fábio Bamberg.
Para a triadora Delci Simch, 44 anos e há 17 anos na cooperativa, é preciso aumentar a conscientização.
– Para os outros, é lixo. Para nós, é matéria-prima – diz.
A visão da indústria
A indústria do plástico vê a situação com preocupação e é a favor da utilização de mais material reciclado no processo produtivo, afirma o presidente do Sindicato das Indústrias de Material Plástico no Rio Grande do Sul (Sinplast-RS), Gerson Haas. No entanto, cita que a separação inadequada dos resíduos por parte do consumidor resulta em pouco plástico disponibilizado pelas cooperativas à indústria.
– A gente não quer plástico no rio e no mar. Mas há uma falta de consciência do consumidor. Todos temos que estar atentos: indústria, atacado e consumidor. As empresas de reciclagem têm dificuldade de conseguir material. As grandes empresas têm metas ousadas de até 2030 ou 2035 usar 50% de material reciclado, mas não há material reciclado disponível – diz Haas.
O presidente do Sinplast-RS cita que o Plano Nacional de Resíduos Sólidos traz uma série de ações que deveriam estar em prática – o que inclui a obrigação de prefeituras realizarem coleta seletiva e de haver mais pontos de coleta nas cidades.
– Há municípios que ainda utilizam aterros sanitários. Isso precisa entrar em ação. O Estado tem poder para exigir isso. Os grandes supermercados deveriam ter pontos de coleta de garrafas, sacolas, lâmpadas e latas para recolhimento da cooperativa mais próxima, e assim transformar tudo em novos produtos. Isso está na legislação, mas não funciona. Se funcionasse, teríamos boa parte do problema resolvido – afirma Hass.
Há uma falta de consciência do consumidor. As grandes empresas têm metas ousadas de até 2030 ou 2035 usar 50% de material reciclado, mas não há material reciclado disponível.
GERSON HAAS
Presidente do Sindicato das Indústrias de Material Plástico no Rio Grande do Sul (Sinplast-RS)
Ele elogia decreto elaborado pelo governo Eduardo Leite (PSDB) em janeiro, com subsídios no pagamento de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para indústrias que utilizam 75% de plástico reciclado em suas produções (a cota, nesses casos, é de 4,25%, em vez de até 17%). Mas cita que são necessários mais subsídios – Haas traz como exemplo o baixo preço dos plásticos produzidos na Zona Franca de Manaus, que concorrem com a produção local:
– Sugerimos políticas com união de poder público, indústria, atacado, varejo e sociedade pela educação ambiental para que todos os materiais reciclados sejam destinados à produção de novos produtos, fechando a economia circular.
Questionado, o governo do Estado citou projetos que ainda estão em discussão, como a Logística Reversa das Embalagens em Geral (papelão, vidro, plástico), uma regulamentação segundo a qual fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes deverão estruturar suas logísticas para recolher embalagens proporcionalmente àquilo que colocam no mercado. Também há projetos de incentivo em regiões em que a reciclagem ainda precisa ser estruturada, como a Campanha e a Fronteira Oeste. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema-RS) afirma que está em andamento uma parceria técnica para coleta de vidros por meio do Programa Vidro Vira Vidro. Nesse programa, estão disponibilizados 48 pontos de entrega em oito cidades no Litoral Norte. “Já foram coletadas mais de 43 toneladas de vidro. A intenção é expandir a rede nos próximos meses para cidades da Serra”, diz a pasta.
Como reduzir a poluição plástica
- Promover o uso de garrafas reabastecíveis, dispensadores a granel e esquemas de devolução de embalagens pode reduzir em 30% a poluição plástica até 2040.
- Reduzir em mais 20% até 2040 é possível com incentivos à reciclagem, como remover subsídios aos combustíveis fósseis e aplicar diretrizes de design para melhorar a reciclagem.
- Substituir embalagens plásticas, sachês e embalagens para viagem por produtos como papel ou materiais compostáveis pode reduzir em mais 17% a poluição plástica.
Fonte: Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma)
Como reduzir o uso de plástico
- Usar sacolas de pano ao supermercado. Em muitos países, o uso de sacola plástica é inclusive cobrado.
- Evitar plásticos de uso único, como guardanapos, copos de café e de água.
- Se você almoça todo dia no refeitório da empresa, a sugestão é levar uma caneca para evitar o desperdício de copos.
- Tentar sempre consertar produtos em vez de jogá-los fora para comprar um novo.
Fonte: Ministério do Meio Ambiente
Como separar o lixo adequadamente em casa
- Lixo orgânico: sobras de alimentos, cascas de frutas, legume e papel higiênico.
- Lixo seco: papel seco, plástico lavado, alumínio, papel (não amassado).
- Separação à parte: vidros, metais, remédios e seringas.
- É importante lavar embalagens do tipo longa vida, latas, garrafas e frascos de vidro e de plástico.
- Também é adequado usar recipientes de plástico para separar o óleo em vez de potes de vidro, que podem quebrar no caminhão de lixo e inviabilizar a reciclagem do que está ao redor.
- O que não vai para o lixo reciclável: papel-carbono, etiqueta adesiva, fita crepe, guardanapos, fotos, papéis sujos, copos de papel, cabos de panela, tomadas, clipes, grampos, esponjas de aço, canos, espelhos, cristais, cerâmicas, porcelana; pilhas e baterias de celular devem ser devolvidas aos fabricantes ou levadas a coletores específicos.
Fonte: Ministério do Meio Ambiente