Por Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo, professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg)
A Cúpula Mundial de Líderes pelo Clima 2021, convocada pelo presidente americano Joe Biden em resposta as suas preocupações quanto às mudanças climáticas e ao que está sendo feito pelos países economicamente ativos e produtivos para melhorar a questão ambiental, colocou em evidência a urgência de uma agenda climática global. Líderes do mundo todo manifestaram comprometimento com a redução das emissões de carbono e alguns, inclusive, anunciaram metas ousadas. O encontro marcou o retorno dos Estados Unidos ao debate climático e o início de um novo tempo no campo da diplomacia ambiental, onde ainda temos um longo caminho a percorrer.
A participação brasileira, apesar de tímida e muito depois da fala de outros presidentes, foi elogiada pela crítica internacional, que destacou as boas intenções do governo federal, mesmo que as impressões sejam de extrema desconfiança.
E motivos não faltam. No dia seguinte, após ter prometido dobrar recursos para o meio ambiente, vetos publicados pelo presidente Jair Bolsonaro retiram R$ 240 milhões do orçamento geral do Ministério do Meio Ambiente, afetando fortemente programas, a gestão de Unidades de Conservação e o esforço de fiscalização e controle. E desse jeito não vamos conseguir reduzir o desmatamento, tampouco o avanço das queimadas. Para se ter uma ideia, os recursos destinados à prevenção de incêndios florestais nas áreas federais prioritárias despencou de R$ 49 milhões (em 2019) para R$ 37 milhões (em 2021) e acaba de receber um corte adicional de R$ 6 milhões. Portanto, foi apenas um discurso bonito. Nada mudará, se é que não vai piorar – ainda mais.
O Brasil possui a segunda maior cobertura florestal do planeta, e nossa parcela de emissões parece estar intimamente associada ao desmatamento e a atividades de natureza agropecuária. Na contramão das tendências – o mundo inteiro aponta para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), por conta da pandemia, que levou à desaceleração das atividades econômicas –, no Brasil deverá ser observado um significativo aumento das emissões registradas em 2020. Estima-se que o crescimento na contribuição brasileira de GEE se coloque entre 10% e 20% a mais, em resposta à explosão do desmatamento e dos focos de incêndio que fugiram ao controle no último ano.
Para exemplificar, em 2019, os GEE no Brasil tiveram um acréscimo de 9,6%, em comparação com o ano anterior, segundo o 8º relatório do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), realizado pelo Observatório do Clima, publicado em novembro do ano passado. O país lançou na atmosfera 2,18 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e), contra 1,98 bilhão do ano de 2018. O Observatório concluiu que as principais fontes de emissão foram as mudanças no uso da terra (44%), a agropecuária (28%), o setor de energia (19%), os processos industriais (5%) e os resíduos (4%). Então, considerando que seguimos firmes nas mudanças da paisagem, devastando milhões de hectares de áreas naturais todos os anos e que estamos longe de frear o desmatamento ilegal e o avanço de novas fronteiras agrícolas, a tendência não poderia ser outra. Nossa escalada de contribuições para o aquecimento global seguirá em alta.
Precisamos de uma agenda climática nacional, que traga critérios claros e metas bem definidas e objetivas, de curto e médio prazos. Não há mais tempo a perder, e a urgência exige maior participação de Estados e municípios nas estratégias de enfrentamento ao colapso do aquecimento global. No caso do Rio Grande do Sul, o cenário é positivo e repleto de boas alternativas.
A agenda gaúcha precisa incluir no nosso circuito do desenvolvimento a expansão das fontes renováveis de energia, a ampliação do transporte de cargas em hidrovias, a extração sustentável das riquezas minerais, pecuária de corte em pastagem natural, agricultura orgânica em escala, práticas de conservação do solo, barreiras ao uso de agrotóxicos, políticas de eficiência e boas práticas na indústria, fiscalização proativa e uma relação mais saudável entre o campo e a cidade.