O oceanógrafo José Martins da Silva Júnior, que atua na preservação marinha de Fernando de Noronha há mais de 30 anos, foi transferido, contra sua vontade, pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio, para a Floresta Nacional de Negreiros, outra unidade de conservação no sertão pernambucano.
Em um despacho, o coronel Homero de Giorge Cerqueira, presidente do instituto, justificou a transferência dizendo que há uma discrepância no número de servidores lotados nas duas regiões: 34 funcionários na unidade de Noronha e três na floresta de Negreiros. Uma nota técnica do instituto também argumenta que, na administração pública, "existindo conflito entre interesse público e particular, deverá prevalecer o interesse do Estado".
Martins, no entanto, relaciona a decisão de removê-lo ao interesse de empresários da região.
— Desde que o plano de manejo foi publicado em 2017, criando normas para a ampliação da hospedaria domiciliar, empresários, especificamente um grupo, começou a comprar e ampliar pousadas. O ICMBio, com a orientação de sua procuradoria e do Ministério Público Federal, notificou e multou algumas dessas pousadas — disse ele ao jornal Folha de São Paulo.
— Apesar de não trabalhar na fiscalização, eu trabalho no ordenamento territorial, então ajudava as chefias no cumprimento da legislação e apontava casos em que a legislação era descumprida. Acredito que a minha remoção deve estar relacionada a isso, em função de várias reuniões que esses empresários tiveram em Brasília e em Fernando de Noronha com o presidente do ICMBio e o ministro do Meio Ambiente — disse.
O oceanógrafo, contratado como analista ambiental, também diz que ele e seus chefes não foram ouvidos no processo de transferência, ao contrário do que preveem normas internas.
— Recebi a notícia na segunda (29) da coordenadora de RH do ICMbio. Ela me ligou e disse que havia um processo aberto. Fui olhar no sistema e já estava aberto há vários dias (desde o dia 22), inclusive com a portaria de remoção.
Martins então se manifestou formalmente contra a mudança, em um documento de cerca de cinco páginas, mas a decisão foi mantida pelo coronel: "A remoção em questão visa melhor distribuição quantitativa dos servidores deste instituto [...]. Assim sendo, mantemos o posicionamento", ele escreveu brevemente.
O oceanógrafo também afirma que há outras pessoas qualificadas para o trabalho.
— O ICMBio capacitou 344 funcionários da instituição para as necessidades da Floresta Nacional de Negreiros, e nenhum deles sou eu.
Martins segue afirmando que a discrepância no número de servidores não procede. Ele diz que dos 34 funcionários de Noronha, dois estão em afastamento por saúde, 16 já podem se aposentar e sete poderão se aposentar em dois anos. Dos 15 efetivos, só cinco são analistas ambientais como ele, e ele é o único em sua posição.
Ele cita ainda as diferenças entre as duas unidades em tamanho — Noronha com 166 mil hectares e Negreiros com 3 mil hectares — e em número de espécies ameaçadas de extinção: 16 e 2, respectivamente.
A transferência do oceanógrafo vem numa esteira de mudanças nos quadros das unidades de conservação federais.
Em fevereiro, o próprio chefe do Parque Nacional Marinho de Noronha, Felipe Mendonça, foi exonerado uma semana após o então presidente do ICMBio, Adalberto Eberhard, ter se reunido com empresários da ilha e com o ministro Ricardo Salles.
Mendonça era crítico ao aumento vertiginoso do número de turistas no arquipélago, enquanto o presidente Jair Bolsonaro já afirmou que pretende ampliar a visitação em unidades de conservação do país.
Em julho, o ministro também trocou a gestão do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, no litoral sul do Rio Grande do Sul, nomeando a engenheira agrônoma e produtora rural Maira Santos de Souza, de 25 anos, filha de fazendeiros conhecidos na região.
Procurados, o ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente não responderam aos contatos da reportagem na noite deste domingo (4).