Ao assumir o Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro não surpreendeu ao protagonizar uma guinada na política ambiental do país. Ao afirmar que multas eram aplicadas "sem critérios", disse que iria combater o que considerava "ativismo xiita". Entre críticas ao Ibama e ao Instituto Chico Mendes (ICMBio), prometeu que os agricultores não seriam mais "perseguidos" no país.
Uma das primeiras ações sobre o tema foi a reestruturação do Ministério do Meio Ambiente. Entre os órgãos da pasta que foram extintos, estava a Secretaria de Mudanças do Clima, que atuava no combate de ações que geram potencial desequilíbrio no ecossistema do planeta. Junto a isso, dos R$ 11,8 milhões previstos para a Política Nacional sobre Mudança do Clima, R$ 11,3 milhões foram contingenciados. Restaram apenas R$ 500 mil à área.
Há desestruturação das equipes. O ministro desconfia dos servidores, pessoas com anos de casa, cursos, experiência. É a politização de uma agenda que foi técnica.
RAUL DO VALLE
diretor da ONG WWF-Brasil
Ações foram tomadas para estreitar o espaço para aplicação de multas ambientais. O presidente prometeu mudanças nas regras que permitem a fiscais incendiarem veículos utilizados para exploração ilegal. Ainda, foi criado um núcleo de conciliação que pode reduzir ou até anular o valor.
Diretor de Justiça Socioambiental da Organização WWF-Brasil, Raul do Valle critica a saída de técnicos de setores que atuam na fiscalização de áreas protegidas. Para ele, a autonomia dos servidores do ministério está sendo comprometida por questões políticas.
— Há desestruturação das equipes. O ministro desconfia dos servidores, pessoas com anos de casa, cursos, experiência. É a politização de uma agenda que já foi técnica.
Quem reclama é gente que a vida toda mamou e ganhou recursos públicos para se dizer defensor do meio ambiente. Estamos tendo equilíbrio sustentável com o agronegócio e com o turismo.
MAJOR OLÍMPIO
senador (PSL-SP)
Quase sete meses após o início da gestão do ministro Ricardo Salles, há pelo menos 15 cargos vagos na estrutura do Ministério do Meio Ambiente. Entre eles, a Secretaria de Florestas e Desenvolvimento Sustentável e a Coordenação de Gestão de Informações sobre o Meio Ambiente. A secretária-executiva da pasta, Ana Pellini, deverá anunciar nos próximos dias a saída do cargo. Ela estaria de malas prontas para o Ministério da Cidadania.
Antes mesmo do início do governo, Bolsonaro ameaçou deixar o Acordo de Paris, compromisso assinado com 195 países para a redução da emissão de gases. Após chegar ao Planalto, retirou a candidatura do país para sediar a COP25 — Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU).
Ao ser confrontado com dados sobre o aumento do desmatamento da Amazônia, em julho, o presidente questionou os números apresentados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Para ele, a divulgação "atrapalha", porque venderia uma imagem distorcida do país no Exterior.
— A proteção das florestas sempre foi o ponto mais importante do ministério, principalmente a Amazônia. (...) Esse foi o primeiro fato que o governo teve medo da divulgação — comenta o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, Marcio Astrini.
Ambientalistas temem que recursos internacionais encaminhados ao Fundo Amazônia sejam revistos a partir da política do governo sobre o tema. Lembram que no último encontro do G20, em junho, o Brasil foi criticado por líderes europeus. A chanceler alemã, Angela Merkel, disse que vê a situação ambiental no país "dramática". Em resposta, Bolsonaro afirmou que "a Alemanha tem muito o que aprender com o Brasil". O governo chegou a sugerir que o fundo pudesse ser utilizado para pagar compensações a proprietários rurais.
A alteração na forma de escolha de integrantes e a redução da representatividade social no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) também foram mal-recebidas entre ambientalistas. Por decreto, o número de cadeiras no colegiado passou de 96 para 23. Entidades que tratam do tema seguirão tendo assento, mas serão definidas por sorteio.
A mudança está sendo contestada pelo presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam). Na última semana, Carlos Bocuhy representou contra a medida na Procuradoria-Geral da República (PGR). Segundo ele, o modelo adotado pelo governo é inconstitucional e não permite a participação de atores de todas as regiões do país.
Para governistas, as reclamações ocorrem devido ao "endurecimento" frente a organizações não governamentais (ONGs). O senador Major Olímpio (PSL-SP) elogia o ministro Ricardo Salles, afirmando que ele "é um sujeito sem mimimi e conversa mole" e, por isso, agrada o presidente e os eleitores:
— Quem reclama é gente que a vida toda mamou e ganhou recursos públicos para se dizer defensor do meio ambiente. Estamos tendo equilíbrio sustentável com o agronegócio e com o turismo.
Sobre as críticas de que há enfraquecimento na fiscalização, o governo avalia que o combate a crimes ambientais está sendo mantido e que não há perdas na área. No mês passado, em entrevista à BBC, Salles sustentou que as reclamações seriam apenas "especulações". Ele também reclamou das condições da pasta.
— Recebemos as estruturas do Ministério do Meio Ambiente sucateadas, as frotas de veículos sucateadas do Ibama e ICMBio foram herdadas dos governos anteriores, quem nos entregou um quadro de funcionários com 50% a menos que o necessário foram as gestões anteriores — disse à BBC.
As polêmicas ambientais de Bolsonaro
Tamoios
Jair Bolsonaro quer transformar a região de Paraty e Angra dos Reis, no litoral sul fluminense, em uma "Cancún brasileira", defendendo regras mais brandas para a Estação Ecológica de Tamoios para permitir a visitação de turistas, hoje proibida. Foi nesse local onde, em janeiro de 2012, o presidente foi flagrado com uma vara de pescar e multado por um fiscal do Ibama. Ele nega que estava no local. O servidor foi exonerado do cargo de chefia que ocupava no órgão este ano.
Fernando de Noronha
O presidente afirmou, há duas semanas, que a taxa para preservação ambiental cobrado de visitantes de Fernando de Noronha é "um roubo". Atualmente, turistas pagam duas taxas: uma estadual (R$ 73,52 — por dia), e outra para acesso ao Parque Nacional Marinho (brasileiros: R$ 106, estrangeiros: R$ 212 — válida por 10 dias). O ministro Ricardo Salles avalia flexibilizar as regras para pesca de sardinha e para voos noturnos no arquipélago.
Multas
Bolsonaro atacou o que considera a "indústria das multas". Um decreto determinou a possibilidade de conciliação, prevendo descontos e até a anulação das sanções. Regras para a destruição por fiscais de veículos usados em crimes ambientais deverão ser revistas. Neste ano, o Ibama ainda passou a anunciar os locais onde serão realizadas ações de fiscalização na Amazônia.
Conselho
Um decreto reduziu o número de integrantes do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de 96 para 23, com aumento da representatividade do governo. Entidades ambientais garantem assento a partir de sorteio.
Fundo Amazônia
Criado há 11 anos, é composto de aportes internacionais para a conservação da Amazônia. Além de questionar entidades que utilizam os recursos, o ministro Ricardo Salles já sugeriu que os valores possam ser utilizados para pagar indenizações para proprietários de terras. Alemanha e Noruega, principais financiadores do Fundo, já criticaram a política do governo voltada ao combate do desmatamento.