Considerado um dos mais importantes refúgios de aves migratórias da América do Sul, o Parque Nacional da Lagoa do Peixe, no sul do Estado, está no epicentro de uma disputa entre ambientalistas e produtores rurais. A polêmica se ampliou após o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, nomear para a chefia do parque a herdeira de um dos maiores produtores rurais da região.
Com 25 anos de idade e sem experiência em preservação ambiental, Maira Santos de Souza é agrônoma e trabalha nas lavouras de arroz e soja da família, em Mostardas. Acompanhada por políticos, ela visitou a unidade no início da tarde desta segunda-feira. Procurada por GaúchaZH, disse que só pretende dar entrevista após tomar posse, o que deve ocorrer em até 30 dias.
Maira foi indicada ao cargo por produtores da região e teve o nome levado ao ministro pelo presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, deputado Alceu Moreira (MDB). A mãe dela, Leane Santos, foi candidata a vice-prefeita de Mostardas em 2016 pelo MDB. A agrônoma vai substituir o servidor de carreira Fernando Weber, demitido em abril após Salles se reunir com ruralistas no município vizinho de Tavares.
Na ocasião, irritado pela ausência de servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) na reunião, o ministro anunciou a abertura de processo disciplinar contra os funcionários. Foi aplaudido pelo público, formado na maioria por ruralistas. Dois dias depois, o presidente do ICMBio, Adalberto Eberhard, pediu demissão. O então chefe do parque, Fernando Weber, seria exonerado duas semanas mais tarde.
O motivo da controvérsia é o controle que o ICMBio faz sobre a pesca e a produção rural na área de preservação. Espraiado por 36,7 mil hectares de banhados, dunas, lâminas d'água e mar entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico, o parque serve de repouso e principal fonte de alimentação para pelo menos 275 espécies de aves locais e migratórias, um local único no país. Muitas das aves viajam 12 mil quilômetros até a lagoa do peixe, onde encontram comida farta e ambiente protegido. Algumas espécies que estão ameaçadas de extinção em seu habitat têm registrado aumento de população na área do parque, graças às condições favoráveis para descanso e reprodução de aves que cruzam do hemisfério norte ao sul.
Presidente da Associação dos Proprietários de Terras no parque, Luiz Agnelo reclama do baixo valor pago pelo governo nas indenizações e das restrições à pecuária no local. Segundo ele, muitas famílias habitam a área do parque há 200 anos e estão sendo intimadas a vender as propriedades.
— Essa é a maior agressão à história do Rio Grande e da propriedade privada no Estado. Eles querem comprar nossas terras por R$ 3 mil, R$ 4 mil o hectare. O preço teria que ser R$ 10 mil. Querem jogar essas famílias no cinturão de miséria das cidades — afirma Agnelo, dono de 22 hectares dentro do parque.
A associação reúne cerca de 1 mil famílias. O parque nunca teve a regularização fundiária concluída. Dos 36 mil hectares, 34% já pertencem à União. Outros 31% estão em processo de aquisição e 19% tem propriedade desconhecida. O plano de manejo, defasado, é de 2004. Com isso, mesmo que seja impossível produzir em cerca de 70% do território, formado principalmente por dunas e lâminas d'água, não são raros casos de ruralistas que drenam banhados para criar gado.
O objetivo dos ruralistas é retirar o status de parque nacional, tornando-o área de proteção ambiental (APA), uma categoria de conservação pouco restritiva, o que permitiria maior exploração comercial, principalmente para culturas da região, como cebola, arroz, soja e a pecuária.
— Quem fez a preservação ambiental da Lagoa do Peixe foram as famílias que sempre estiveram aqui. Espero que a nova chefe do parque valorize as comunidades tradicionais — diz Agnelo.
No ICMbio, a nomeação de Maira foi recebida com surpresa. Os funcionários do parque haviam solicitado a abertura de um processo seletivo para substituição do antigo chefe, mas a escolha da agrônoma tramitou em sigilo dentro do Ministério do Meio Ambiente.
— Defendemos que a escolha da chefia seja impessoal, baseada em critérios técnicos e na experiência de trabalho com conservação. Sabemos da dificuldade que é gerir um parque nacional tão importante e reconhecido internacionalmente como esse — comenta Guilherme Betiollo, chefe em exercício da unidade.
O parque
- Criado em 1986, está localizado em uma extensa planície costeira arenosa, situada entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico.
- A paisagem é composta por mata de restinga, banhados, campos de dunas, lagoas de água doce e salobra, além de praias e uma área marinha.
- Apesar da denominação, Lagoa do Peixe é, na verdade, uma laguna, por causa da comunicação com o mar. É relativamente rasa, com 60 centímetros de profundidade em média. Tem 35 quilômetros de comprimento e dois quilômetros de largura.
- É um berçário para o desenvolvimento de espécies marinhas, como camarão-rosa, tainha e linguado. Além disso, atrai variadas espécies de aves. Já foram catalogadas 275 espécies, das quais 35 são migratórias.