Ambiente

RS que Inspira

Alunos e professores da rede pública recebem lições de conscientização na Floresta Nacional de Canela

Projeto aproxima comunidade do parque, um reduto de araucárias na serra gaúcha, com aulas guiadas de educação ambiental promovidas pela Uergs, em parceria com a Secretaria de Educação do município

Guilherme Justino

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Não são muito comuns os momentos em que se pode presenciar a habitual agitação infantil dar lugar a uma silenciosa contemplação coletiva. Mas bastou tirar algumas turmas de Ensino Fundamental de escolas em Canela, na serra gaúcha, e oferecer a elas lições na pouco visitada floresta nacional do município, para conferir a ansiedade ser substituída por rostos boquiabertos, olhos animados, cabeças cheias de perguntas e braços e pernas dispostos a explorar cada pedacinho daquela sala de aula ao ar livre.

A Floresta Nacional de Canela, também conhecida como Flona, é uma unidade de conservação de 563 hectares sob responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Distante cinco quilômetros do centro da cidade, a área verde está, talvez justamente por essa distância, bastante fora do radar dos turistas e até dos moradores. Para reverter a falta de informação a respeito do local, educadores da região decidiram promover, periodicamente, uma espécie de “aula guiada” por lá.

Funciona assim: algumas vezes por ano, estudantes de escolas públicas do município são levados ao local para aprender, na prática, conceitos de ciências da natureza (biologia, física, química) e também outras disciplinas, como geografia e até matemática. O objetivo é estimular o aprendizado dos jovens e inclusive de seus professores com lições que envolvem o contato direto com a floresta e seus elementos. Crianças e adolescentes adoram:

– A escola ensina, e aqui a gente vivencia. A gente põe em prática o que aprendeu na aula. Sabendo cuidar, não jogar lixo no chão, essas coisas – declara Kauani Vitória Müller, 12 anos, aluna do 7° ano de uma escola municipal em Canela.

André Ávila / Agencia RBS
Participantes recebem lições sobre a araucária, símbolo da região de importante valor cultural que está ameaçada de extinção

– Para mim, é tudo interligado. Escola, natureza... A gente aprende na escola, depois vem para cá e amplia o conhecimento que conseguiu lá. Assim, aprendemos o dobro! – complementa Gabriel Renan Blauth dos Santos, também de 12 anos, colega de Kauani.

O Ministério do Meio Ambiente decidiu conceder o parque à iniciativa privada. No momento, discute-se principalmente dois pontos: se o edital que prevê essa concessão será feito somente com a Floresta Nacional de Canela ou se será em bloco, incluindo também os Aparados da Serra, de Cambará do Sul, e a Floresta Nacional de São Francisco de Paula. Em abril, o ministro Ricardo Salles esteve na região para visitar as áreas. Ainda não há previsão para a data de lançamento dos editais.

André Ávila / Agencia RBS
O tempo era instável no dia, contribuindo para a ansiedade dos jovens e dificultando o passeio

No início de uma dessas aulas na floresta de Canela, dezenas de crianças se perfilavam próximas à entrada da unidade de conservação. Ainda estavam agitadas: era uma das poucas oportunidades de ter lições com os professores fora da escola, e logo em um ambiente repleto de árvores, animais, rochas e trilhas. O tempo era instável no dia, contribuindo para a ansiedade dos jovens e dificultando o passeio. Era o terceiro de cinco encontros marcados para este ano – nos anteriores, haviam sido transmitidos conceitos como educação ambiental e um breve histórico da Terra a partir de rochas da serra gaúcha.

– Os alunos e os professores saem daqui aprendendo o básico de um determinado elemento da natureza. Nós separamos as atividades assim, para que eles conheçam mais sobre as rochas, as árvores, a floresta, a água, os animais que vivem aqui. Sabendo mais sobre esses elementos, eles começam a ter um entendimento maior, e na sala de aula fica mais fácil continuar a construção do conteúdo, porque in loco, no ambiente, se teve um contato direto com aquilo – explica o professor da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) Clódis Andrades Filho, um dos coordenadores da iniciativa.

Clódis e vários outros docentes e estudantes da Uergs Hortênsias, o campus da instituição em São Francisco de Paula, também na Serra, somaram-se à proposta envolvendo as escolas no ano passado. Ligados à área de Gestão Ambiental, eles passaram a promover capacitações para os professores do município, e assim a ideia cresceu. Tornou-se o Projeto Curiaçu – Guardiões da Floresta.

André Ávila / Agencia RBS
Marcas em árvores ajudam nas trilhas em Canela

A iniciativa tem como objetivo promover educação ambiental a partir da imersão em ambientes naturais para conscientizar sobre a preservação dos recursos naturais e despertar a “empatia ambiental”, como definem os responsáveis.

– Quanto mais você conhece alguma coisa, mas se apega àquilo e, consequentemente, ajuda a preservar – define Laci Gross, professora da rede municipal de Canela e representante da Secretaria de Educação no Conselho Municipal de Meio Ambiente.

– Os “Guardiões da Floresta” são pessoas que buscam se afeiçoar cada vez mais com o meio ambiente, e, por meio dessa afeição, garantem que as ações de proteção sejam mais efetivas. Esse projeto parte de uma máxima que nós gostamos de falar: somente os laços afetivos são efetivos. Aquilo que a gente conhece e gosta é aquilo que a gente vai lutar para proteger – complementa Clódis.

André Ávila / Agencia RBS
Vendados, estudantes entram na réplica de uma grande araucária na sede do ICMBio para despertar a empatia ambiental

A lição sobre empatia, claro, também é repassada na prática. Lembra das crianças e dos adolescentes agitados na entrada da floresta? Pois uma das primeiras atividades daquele dia foi reuni-los para uma ação voltada a desenvolver esse afeto neles. Em frente à réplica de uma grande araucária que corta boa parte da sede do ICMBio, os jovens foram convidados a entrar em uma passagem estreita que não revelava nada do que se poderia encontrar lá dentro. A reportagem também fez esse caminho.

Todos os participantes são solicitados a usar uma venda. A ideia é fazer da ação uma espécie de trilha multissensorial: enaltecer o tato, o olfato, a audição enquanto você caminha rumo ao desconhecido na natureza. Os coordenadores do projeto orientam o público, já mais nervoso do que agitado, sobre os próximos passos.

– Te abaixa. Vem mais um pouco para a frente. Usa a mão para te guiar – dirige uma voz amigável.

O caminho araucária adentro é estreito, e não saber o que se vai encontrar lá, ou quanto tempo vai demorar a empreitada, leva todos a prestarem atenção nos seus arredores. A ouvirem os sons que ora se aproximam, ora se afastam; a sentirem a textura da árvore, a proximidade de galhos e folhas.

– Onde a gente está? – arrisca-se um dos jovens, quebrando o silêncio.

– Só mais um pouco até que chegue todo mundo – repete a voz amigável.

Os participantes distribuem-se em algo como um círculo, tateando ao redor para não bater em ninguém, e logo tem início a justificativa daquela atividade. Um áudio com narrativa repleta de sons de pássaros explica a iniciativa e salienta a importância da conscientização ambiental (ouça abaixo).

– Vocês podem tirar as vendas – diz a voz amigável que, enfim se descobre, é de Demétrio de Andrade, estudante do bacharelado em Gestão Ambiental na Uergs, um dos criadores do projeto.

É depois desse “rito de passagem” que a agitação dá lugar a semblantes mais contemplativos. Todos os participantes são convidados a receber uma pintura azul no rosto, remetendo à tradição indígena e simbolizando a gralha azul da lenda que dá nome ao Projeto Curiaçu. A saída de dentro da araucária marca uma fase de conscientização para os envolvidos.

André Ávila / Agencia RBS
A trilha é uma das atividades mais aguardadas

A própria presença da árvore por ali – assim como por toda a floresta, e destacada ao longo da região serrana do Sul do Brasil – é simbólica.

– A araucária marca a paisagem da região. Marca a cultura também. Ela entrou em extinção no momento em que tudo o que representa, esse vínculo natural com a paisagem regional, passou a ter menos importância do que o valor econômico da madeira, o preço. Foi aí que ela foi devastada – lamenta Antonio Cesar Caetano, analista ambiental do ICMBio em Canela, reforçando laços culturais como, por exemplo, o fato de a erva-mate crescer à sombra da árvore e, ainda, que a araucária dá também o pinhão tão marcante para os gaúchos.

Ao final da manhã de atividades, os estudantes são guiados por uma trilha pela Floresta Nacional de Canela. Descobrem os nomes de árvores e os animais que habitam a área, recebem indicações de como não se perder pelo mato. Mas o aprendizado maior é outro.

– Nosso objetivo principal aqui é promover a empatia ambiental, fazer as pessoas resgatarem o elo perdido com a natureza. Acabar com essa cisão que a gente criou, como se o homem fosse separado da natureza e ela fosse um mero cenário, quando na verdade nós somos parte de um grande ecossistema – descreve Demétrio.

Trabalhando para a criação dos tais laços afetivos e efetivos com a natureza, os “Guardiões da Floresta” procuram resolver, de pouquinho em pouquinho, a falta de conhecimento da população em relação ao ambiente, em especial no que diz respeito à preservação. Assim, ajudam a conscientizar crianças e adolescentes, pais e professores, moradores e turistas sobre áreas como a Floresta Nacional de Canela, tão próximas e acessíveis a todos – mas tão distantes do conhecimento geral.

O projeto

  • O que é? Projeto Curiaçu – Guardiões da Floresta.
  • Quem faz? Alunos e professores do bacharelado em Gestão Ambiental e da pós-graduação em Ambiente e Sustentabilidade da Uergs Hortênsias, em São Francisco de Paula, em conjunto com educadores e estudantes de escolas públicas em Canela.
  • Desde quando? O projeto, nos moldes atuais, começou em 2018. Era, no início, focado na capacitação de professores, o que foi ampliado neste ano para contemplar também os alunos. Mas as atividades escolares envolvendo aulas práticas na Floresta Nacional de Canela começaram anos antes.
  • Apoio – Conselho Municipal de Meio Ambiente de Canela (Comdema), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), secretarias de Educação e do Meio Ambiente de Canela e Laboratório de Gestão Ambiental e Negociação de Conflitos (Ganeco), da Uergs.
  • Responsáveis – Professores Marcia Berreta e Clódis Andrades Filho, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs).
  • Objetivo – Promover a educação ambiental a partir da imersão em ambientes naturais e capacitações para os educadores de Canela, a fim de aproximá-los da floresta nacional localizada no município e construir conscientização no que diz respeito à preservação dos recursos naturais e provocar o despertar da “empatia ambiental”.
  • Saiba maisfacebook.com/projetocuriacu e facebook.com/FlonaCanela.

Próximos eventos

  • 5 de agosto – Responsabilidade Socioambiental para Conservação da Biodiversidade e da Água.
  • 6 de setembro – Oficina Descobrindo a Fauna da Floresta.
  • 25 de setembro – Oficina Desvendando a Ecologia da Mata Atlântica.
  • 1º de novembro – Sarau ecológico.

Todas as reportagens da série RS que Inspira

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