Bastou o comunicador Luis Alberto Perotoni, o Betinho, perguntar no ar aos ouvintes quem poderia doar materiais escolares usados para, imediatamente, os telefones não pararem de tocar na Rádio Solaris, de Antônio Prado, na Serra gaúcha. Eram 7h30min de uma manhã de segunda-feira de janeiro deste ano. Do outro lado da linha, as pessoas queriam se engajar à iniciativa da professora Carina Gambin e da engenheira ambiental Grasiela Scudiero, ambas de 35 anos.
A participação da cidade na causa ambiental iniciou-se há sete anos, quando as duas fundaram o grupo Amigos de Antônio Prado. Com a ajuda de voluntários, a dupla recicla materiais aparentemente incomuns como esponjas usadas, tubos de cosméticos, cápsulas de café e embalagens de fraldas e absorventes.
Quando estreiam uma campanha de reciclagem, elas recorrem ao apoio da rádio local. É uma forma de alcançar mais rápido os cerca de 13 mil habitantes da cidade e outros 10 mil moradores de municípios vizinhos. No caso dos materiais escolares, a dupla terá até maio deste ano para angariar o máximo possível de lápis, canetas, hidrocores, apontadores, borrachas e outros produtos de escrita já usados. Se conseguirem arrecadar a maior quantia entre grupos de todo o Brasil, Antônio Prado ganhará materiais escolares de um fabricante para serem doados a uma escola pública da cidade. A participação popular será fundamental na arrecadação.
De uma forma inusitada, a causa ambiental uniu as duas profissionais. Em 2012, Grasiela, moradora de Ipe, descobriu o site da TerraCycle, uma empresa especializada em dar nova vida a materiais de difícil reciclagem. Na página havia a convocação para a formação das chamadas “brigadas” – grupos formados por cidadãos comuns em cidades de todo o Brasil, responsáveis por recolherem e enviarem os produtos a serem reciclados pela empresa. A engenheira ambiental, porém, precisava de um parceiro para iniciar os trabalhos na região. Por meio de familiares da cidade vizinha de Antônio Prado, Grasiela recebeu a indicação de Carina. A professora já era conhecida por juntar tampas plásticas e lacres para trocar por cadeiras de rodas. Ela fez o contato com a docente pelas redes sociais, mas teve dificuldades para agendar a primeira reunião. Num dia chuvoso, a engenheira ambiental voltava do trabalho quando abriu espaço com a sombrinha para uma pessoa passar. O mesmo gesto foi retribuído pela outra pedestre. Ao erguerem as sombrinhas, Carina e Grasiela acabaram se reconhecendo.
A primeira campanha começou na calçada. Depois da conversa, as duas deram partida à divulgação nas redes sociais e por meio de folderes custeados por ambas. Elas também bateram de porta em porta, explicando a intenção e pedindo a participação do comércio como ponto de coleta. Cada local que aceitasse fazer parte do grupo recebia uma caixa da campanha.
622 mil embalagens
Carina e Grasiela iniciaram arrecadando embalagens de folhas A4. Depois, vieram os tubos de cosméticos e as embalagens de fraldas e absorventes. Com o tempo, Grasiela tornou-se a divulgadora do grupo e Carina, a responsável pela coleta e separação.
Há dois anos, o Amigos de Antônio Prado recolhe esponjas de limpeza para enviá-las à TerraCycle. No início, houve certa resistência entre os moradores. O apoio da rádio na propagação das informações sobre o processo de transformação do material ajudou no engajamento. Segundo as indústrias do setor, cerca de 600 milhões de esponjas são produzidas, usadas e destinadas anualmente aos aterros sanitários no Brasil. Na reciclagem, elas passam por uma micronização para reduzirem de tamanho. Depois, são derretidas e processadas para se tornarem espaguetes plásticos. As novas peças são cortadas em pequenos pedaços para serem transformadas em resina granulada. O material pode ser usado na produção de baldes, vasos e lixeiras. Para enviar à TerraCycle, é preciso reunir, no mínimo, 60 esponjas.
Todo o material reciclado pela TerraCycle deve ser enviado dentro de uma caixa etiquetada com selo pré-pago oferecido pela empresa, em parceria com uma fabricante do produto a ser modificado. Quem envia o material não paga para encaminhar via Correios. Cada peça reciclada retorna no valor de R$ 0,02. Em Antônio Prado, a cada semestre, o dinheiro arrecadado é enviado diretamente às contas bancárias de duas entidades assistenciais escolhidas pelo grupo.
Hoje, Grasiela, Carina e a equipe de cerca de 40 voluntários separam, além das esponjas, outras seis classes de resíduos usados: cápsulas de café, cosméticos (todas as embalagens de creme de rosto e corpo, de maquiagens, de esmaltes e de perfumes), material de escrita (lápis, borracha, canetinha, apontadores), embalagens de fraldas e absorventes, lacres e tampinhas. Estes dois últimos itens são entregues a outros grupos que fazem o encaminhamento para a reciclagem. O lucro dos lacres segue sendo revertido para compra de cadeiras de rodas. Oito aparelhos já foram repassados por Carina a moradores da região. Há uma lista de espera.
– Já passamos das 622 mil embalagens recicladas. É um número extraordinário para a nossa cidade. Ainda nos surpreende quando uma pessoa nos olha na rua e diz “tô guardando embalagem” ou chega outra dizendo “quero um bilhetinho com a relação do que eu posso guardar”.
Reciclar corações
Na pequena sala nos fundos de um prédio público, cedida pela prefeitura, Carina, o marido Alessandro Alves, 35 anos, e outros voluntários dedicam o tempo livre à seleção e separação do material. Entre as doações, sempre há quem envie o que deveria ir apenas para o lixo. É comum surgirem giletes, itens de limpeza e embalagens alimentícias nas caixas de recolhimento, o que atrapalha o desenvolvimento do trabalho.
Mas nem a falta de compromisso de alguns é capaz de tirar o entusiasmo da professora. Até por que a grande maioria se compromete com o material solicitado pelo grupo.
Carina embarga a voz ao lembrar que, antes de envolver-se com trabalhos voluntários na área ambiental, ela própria não tinha a noção de que um vidro de perfume vazio, que iria para o lixo, pode ter um destino capaz de ajudar ao próximo.
– O nosso propósito é criar em cima do que seria lixo. A sustentabilidade é isso! Queremos conscientizar esta e as futuras gerações da nossa cidade – ressalta a professora.
O Amigos de Antônio Prado se transformou na missão de vida de Grasiela e Carina. O maior propósito das duas é ajudar a salvar o planeta das ações humanas que prejudicam o ecossistema. A segunda missão das amigas é transformar corações, como dizem, mostrando à população que a reciclagem pode mudar vidas.
"Nunca havia guardado um lacre"
Parceiro do projeto há mais de cinco anos, o comunicador Betinho usa uma das salas da Rádio Solaris como ponto de coleta do grupo Amigos de Antônio Prado. Além de ele próprio contribuir, pede a ajuda dos ouvintes. A cada nova divulgação, a sala enche de lacres, tampas e outros produtos recolhidos e reciclados pela equipe. Betinho passou a separar o lixo depois de conhecer a campanha da cidade.
– Muita gente quer colaborar, mas não sabe como. E, neste caso, a mídia tem o dever de divulgar e ajudar a propagar uma causa tão importante – diz Betinho. – Eu mesmo nunca havia guardado um lacre e uma tampa. Foi o projeto que me ensinou a reciclar. Hoje, quando participo de eventos da rádio, cato todos os lacres e tampinhas para contribuir. É importante mobilizarmos as pessoas para esta causa tão positiva. Assim, ajudaremos quem precisa e, principalmente, seremos mais pessoas preservando o ambiente.