Aquela tampinha plástica que você ignora ao jogar no lixo tem movimentado uma economia solidária – e sustentável – no Rio Grande do Sul. Há quase dois anos, um programa socioambiental propõe que entidades assistenciais coletem, separem e troquem as tampinhas por dinheiro. O Tampinha Legal tem o objetivo de mobilizar a sociedade a dar o destino adequado aos resíduos plásticos (veja infográfico abaixo).
Na prática, a tampinha vira moeda solidária. Desde outubro de 2016 as entidades participantes no Estado arrecadaram 87 toneladas do produto, o que retornou em R$ 167 mil para as 55 instituições que já entregaram tampinhas (das 157 instituições cadastradas no projeto). São 48 milhões de tampinhas que deixaram de ir para o meio ambiente.
A coordenadora do Tampinha Legal, Simara Souza, afirma que o programa quer educar as pessoas e resolver, ao menos em parte, o problema do resíduo nas ruas.
– A questão ambiental é também social. Temos que tratá-las juntas e tentar soluções simples, como é o Tampinha Legal, para que tenha adesão das pessoas. Atribuímos ao plástico uma culpa que é nossa. Uma garrafinha não caminha sozinha, é a pessoa que a joga no ambiente. O bom uso do material depende da gente. É uma conduta de civilidade – considera Simara.
De iniciativa da indústria de transformação do plástico, o projeto tem âmbito nacional e existe, por enquanto, no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Em breve, deve chegar a Santa Catarina e ao Amazonas.
Troca de tampinhas ajuda entidades a fechar as contas
As entidades são orientadas a separar as tampinhas por cor, o que aumenta o valor agregado do produto, e a armazená-las em sacos de batata, para que haja ventilação e se evite o acúmulo umidade. As tampinhas devem estar limpas. Após a coleta, são levadas para pesagem e entrega na Fundação Gaúcha dos Bancos Sociais. Sete dias depois, as entidades recebem o dinheiro.
Na semana passada, o Diário Gaúcho acompanhou a pesagem das tampinhas das duas entidades que mais arrecadam o produto no Estado: o Educandário São João Batista e o Centro de Reabilitação de Porto Alegre (Cerepal), ambas instituições que cuidam de crianças com múltiplas deficiências.
O Educandário arrecadou 17 toneladas desde o começo do projeto e já recebeu, em troca, R$ 34 mil. Jandira Freire, voluntária na instituição, explica que a cada tonelada pouco mais de R$ 2 mil são gerados. Este valor ajuda a pagar despesas como a conta de luz da instituição estimada em R$ 3 mil mensais.
– Entregamos tampinhas ao programa, em média, uma vez por semana. Varia de cem a 160 sacos por carregamento – conta Jandira.
Só em 2017, o Cerepal recebeu R$ 10 mil juntando tampinhas:
– Com os recursos do Tampinha, pintamos toda a escola e fizemos um jardim sensorial para crianças com múltiplas deficiências. Algumas vezes, o projeto nos ajuda a fechar as contas no fim do mês – afirma Inajara Lafourcade, do Cerepal.
“Muito nobre para ser desperdiçado”
O presidente do Instituto Sustenplást, Alfredo Schmitt, avalia que há benefício econômico e ambiental para toda a sociedade:
– A questão toda é fazer a tampinha circular, estamos trabalhando uma economia circular. A tampinha que retorna para a indústria por meio da reciclagem é uma matéria-prima de primeira qualidade. O plástico é muito nobre para ser desperdiçado.
O reciclador Paulo Roberto Jaeger explica que processa uma tonelada de tampinhas por dia em sua empresa no bairro Anchieta, zona norte da Capital. Vende o material principalmente para empresas de pequeno e médio porte. Segundo ele, a tampinha é feita de polipropileno, um plástico que tem muita utilidade no mercado. Em dois dias de processamento, o plástico reciclado está pronto para retornar à indústria.
Recursos melhoram atendimento da gurizada
A Acompar é a sexta entidade que mais arrecada tampinhas pelo programa. A organização atende mais de 700 crianças e adolescentes e encontrou no programa uma fonte voluntária de receita extra.
Segundo o coordenador da Acompar, Eduardo Martins Werb, a entidade possui 21 pontos de coleta em locais como estações da Trensurb e shoppings da cidade, além de pessoas que fazem doações diretamente na instituição.
Desde novembro de 2017, quando aderiu ao programa, recolheu três toneladas de tampinhas, o que rendeu R$ 6 mil reais em recursos. A entidade tem 51 anos, atende crianças de zero a cinco anos em turno integral e de seis a 17 anos no turno inverso ao da aula, no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV). A instituição tem cinco sedes, quatro no bairro Santa Rosa de Lima e uma na Vila Agostinho.
– É um dinheiro que usamos para melhorar o atendimento das crianças – explica Eduardo.
No fim do ano passado, com o dinheiro do Tampinha Legal, foi possível comprar a tinta para pintar a fachada de uma das unidades. Também foi investido em manutenção física e em equipamentos para os demais núcleos.
– O melhor impacto nem é o financeiro, é a integração que o projeto está gerando e a consciência socioambiental – afirma Eduardo.
Segundo ele, as crianças ficam de olho em casa para os pais não colocarem tampinhas no lixo. As mães ajudam a separar as tampinhas por cores.
– Aqui, a tampinha faz sentido para elas – resume Eduardo.
Como participar
– Entidades interessadas em participar do Tampinha Legal podem acessar tampinhalegal.com.br/site/cadastre-sua-entidade.
–As cadastradas na Fundação Gaúcha dos Bancos Sociais têm aprovação mais rápida. Se não são cadastradas, devem ter CNPJ, conta bancária em nome de pessoa jurídica e comprovar o destino dos recursos.