Ao iniciar a graduação em Engenharia da Computação na Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), Nathalia Esper, hoje com 26 anos, sonhava em usar os conhecimentos adquiridos na faculdade para ajudar as pessoas, só não sabia como.
A resposta veio na conclusão do curso, quando o orientador do seu trabalho final, que versava sobre um sistema de discagem telefônica com reconhecimento automático de palavras, convidou-a a fazer mestrado – mas voltado à medicina. A ideia era que a engenheira pusesse as ferramentas computacionais que dominava a serviço de uma área completamente diferente: a saúde.
Nathalia topou. Despediu-se dos colegas da empresa de telecomunicações onde trabalhava e trocou um salário de R$ 5 mil, com todos os benefícios previstos na CLT, por uma magra bolsa de R$ 1,5 mil oferecida pela Capes. Entre 2014 e 2016, na Faculdade de Engenharia Elétrica, dedicou-se a estudar o cérebro de crianças com dislexia e dificuldade de aprendizado, por meio técnicas de processamento de imagens obtidas por ressonância magnética. Atuava em um campo novo, a engenharia biomédica.
Quando estava terminando o mestrado, entre o final de 2015 e o início de 2016, estourou uma das maiores crises da história da saúde pública brasileira, que gerou pânico e teve forte repercussão internacional. Centenas de crianças, principalmente no Nordeste, começaram a nascer com graves malformações cerebrais, a chamada microcefalia. Descobriu-se que os casos, mais de 3 mil confirmados, estavam relacionados à infecção de gestantes pelo vírus zika, transmitido pelo Aedes aegypti, o mosquito da dengue.
Diante da crise, que exigia respostas da ciência, Nathalia resolveu usar sua expertise em processamento de imagens cerebrais de crianças para ajudar no esforço coletivo. Ouvira falar que um grupo da Faculdade de Medicina da PUCRS precisava de alguém que trabalhasse com ressonância magnética, para estudar o cérebro das vítimas de microcefalia.
De novo com bolsa da Capes, a engenheira ingressou no doutorado e passou a trabalhar com um grupo de 30 investigadores.
– A ressonância gera uma imagem da parte do corpo onde é feita. No caso do cérebro, precisamos trabalhar essa imagem para deixá-la mais legível. Uso programação e muita análise estatística para pré-processar os exames, apontando alterações na massa encefálica. Depois, o grupo avalia em conjunto. Eu me achei na pesquisa – diz.
Para que cortar justamente o auxílio à pesquisa, que tanto ajuda a desenvolver o Brasil? Que traz visibilidade diante do resto do mundo?
NATHALIA ESPER
Bolsista de doutorado da Capes
Como a doença ainda é recente no Brasil, o grupo precisa, primeiro, entender como o zika age para, então, conseguir analisar possíveis soluções e tratamentos. Nathalia conta que quase todos os colegas – entre médicos, radiologistas, neurologistas, linguistas, psiquiatras e engenheiros – têm bolsa da Capes. Se essas bolsas sofressem cortes, alerta, muitos projetos ficariam parados, e outros tantos nem sairiam do papel. Ela compreende que a situação econômica do país seja ruim, mas tem dificuldade de aceitar que se pense em realizar economia em um setor estratégico como a ciência.
– Para que cortar justamente o auxílio à pesquisa, que tanto ajuda a desenvolver o Brasil? Que traz visibilidade diante do resto do mundo? Não tem lógica nenhuma – critica.
Com planos de ser professora universitária, Nathalia revela ser mais feliz depois que entrou no mundo da ciência, mesmo sem ter retorno financeiro – a bolsa que recebe é de R$ 2,2 mil e exige dedicação exclusiva.
– Pra mim não é o dinheiro que importa. Como ganhei bolsa, acho que é minha obrigação dar retorno ao país e ajudar as pessoas.
GaúchaZH apresenta em detalhes o trabalho de cinco pesquisadores de universidades do Rio Grande do Sul, pinçados entre mais de 120 bolsistas da Capes que remeteram relatos sobre seus estudos ao jornal em meio a ameaças de cortes.
Porque a bolsa que recebe da Capes cobre só a mensalidade do mestrado, a farmacêutica Ana Paula Anzolin, 25 anos, bateu de porta em porta para viabilizar sua pesquisa. Ela quer responder se a chamada ozonioterapia tem mesmo alguma eficácia.
Natália de Assis Brasil Weber, 33 anos, é graduada em engenharia de energia pela Uergs e tem mestrado em planejamento energético pela USP. Se tivesse optado por trabalhar em alguma empresa, com jornada de 40 horas, receberia pelo menos R$ 8,5 mil.
Em Passo Fundo, uma mestranda de 24 anos, Francine de Souza Sossella recebe bolsa de R$ 2,6 mil (que se transformam em R$ 1,5 mil depois de paga a mensalidade) e vê a possibilidade de, a partir de algas reproduzidas em tanques, gerar etanol barato.
O médico gaúcho Wyllians Vendramini Borelli, 27 anos, doutorando ligado ao Instituto do Cérebro da PUCRS, participa do esforço científico internacional para derrotar o Alzheimer estudando pessoas saudáveis.
* Colaborou Valeska Linauer