Uma das grandes conquistas da ciência brasileira foi o desenvolvimento do etanol a partir da cana-de-açúcar – o que viabilizou os carros movidos a álcool, a adição de álcool à gasolina e os veículos flex. Essa opção, no entanto, sempre teve um porém: a necessidade de usar vastas áreas, que poderiam ser úteis na produção de alimentos, para o plantio de cana.
Em Passo Fundo, uma mestranda de 24 anos, Francine de Souza Sossella recebe bolsa de R$ 2,6 mil (que se transformam em R$ 1,5 mil depois de paga a mensalidade) para investigar uma alternativa para esse dilema. A jovem trabalha no desenvolvimento de bioetanol a partir de uma microalga de água doce, a Spirulina platensis. O que se vislumbra é a possibilidade de, a partir de algas reproduzidas em tanques, gerar etanol barato.
Na realidade, a Universidade de Passo Fundo (UPF) já tem tecnologia para produzir álcool a partir da microalga, assim como vários centros de pesquisa mundo afora. O desafio é realizá-lo de forma economicamente viável. O mestrado de Francine está incorporado a esse esforço. Ela investiga a maneira mais eficiente de colher a spirulina.
– O etanol é hoje o biocombustível com maior produção no mundo. A tendência é aumentar, mas é difícil alcançar isso, porque precisaria de mais terras. No caso da microalga, não há essa necessidade, ela não compete com a produção de alimentos. A Alemanha, por exemplo, faz um cultivo em tubos muito altos. Vários estudos mostram que a microalga tem rendimento melhor que o da cana-de-açúcar e o do milho. O obstáculo que existe é econômico. Por enquanto, esse bioetanol é mais caro e não tem produção comercial. O que estamos estudando é como baratear, para que seja viável – explica ela.
Graduada em engenharia ambiental pela UPF, Francine começou o mestrado no ano passado, envolvendo-se em um projeto no qual, ano após ano, alunos de pós-graduação são orientados a desenvolver diferentes etapas da pesquisa envolvendo o bioetanol. Quando ela chegou, o laboratório já tinha uma linhagem da spirulina isolada, dispunha de uma estufa para cultivá-la e havia conseguido produzir bioetanol. Mas havia um problema na colheita.
A microalga é reproduzida em um líquido com ingredientes capazes de fazê-la crescer. Em 30 dias, um cultivo passa de 0,20 gramas para duas 2 gramas por litro. O obstáculo é separar depois as microalgas desse meio líquido. O laboratório vinha tentando um método de centrifugação, mas não estava dando certo.
Coube a Francine testar uma alternativa, com coagulantes que ajudam a fazer a separação. Foi um trabalho demorado, porque não havia uma literatura sobre essa técnica para a spirulina. Ela estudou as condições para usar 11 tipos diferentes de coagulantes. Numa próxima etapa, vai produzir etanol a partir de microalgas colhidas com o auxílio de cada uma dessas 11 variedades.
É desanimador, muitos acham que tem de cortar as bolsas, que elas sustentam vagabundos. Já ouvi isso. É um pouco culpa nossa, que não explicamos o que fazemos.
FRANCINE SOSSELLA
Bolsista de mestrado da Capes
– Ocorre que os coagulantes ficam na biomassa da microalga. O objetivo é, no final, verificar se eles têm influência, se eles afetam o etanol, para ver qual gera etanol com mais eficiência.
Quando Francine começou o mestrado, não tinha bolsa, e várias vezes cogitou desistir. Ao ser contemplada pela Capes, ficou mais fácil dar continuidade à pesquisa, mas mesmo assim ela só consegue se manter porque continua a morar com os pais, em Tapejara, a 50 quilômetros da universidade. A bolsa é insuficiente para bancar as todas as despesas.
– Se trabalhasse, teria remuneração maior. Penso muito nisso. Não é que eu me arrependa, mas... O que me levou à pesquisa foi querer dar uma contribuição. Mas é desanimador, muitos acham que tem de cortar as bolsas, que elas sustentam vagabundos. Já ouvi isso. É um pouco culpa nossa, que não explicamos o que fazemos. Temos de mostrar que, se pensarmos no retorno que a pesquisa pode dar, o valor das bolsas é bem pequeno – diz.
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Ao iniciar a graduação em Engenharia da Computação na Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), Nathalia Esper, hoje com 26 anos, sonhava em usar os conhecimentos adquiridos na faculdade para ajudar as pessoas, só não sabia como.
Porque a bolsa que recebe da Capes cobre só a mensalidade do mestrado, a farmacêutica Ana Paula Anzolin, 25 anos, bateu de porta em porta para viabilizar sua pesquisa. Ela quer responder se a chamada ozonioterapia tem mesmo alguma eficácia.
Natália Weber, 33 anos, é graduada em engenharia de energia pela Uergs e tem mestrado em planejamento energético pela USP. Se tivesse optado por trabalhar em alguma empresa, com jornada de 40 horas, receberia pelo menos R$ 8,5 mil.
O médico gaúcho Wyllians Vendramini Borelli, 27 anos, doutorando ligado ao Instituto do Cérebro da PUCRS, participa do esforço científico internacional para derrotar o Alzheimer estudando pessoas saudáveis.* Colaborou Valeska Linauer