Natália de Assis Brasil Weber, 33 anos, é graduada em Engenharia de Energia pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) e tem mestrado em planejamento energético pela Universidade de São Paulo (USP). Se tivesse optado por trabalhar em alguma empresa, com jornada de 40 horas, receberia pelo menos R$ 8,5 mil de salário, o piso para engenheiros. Mas é apaixonada pela pesquisa científica, e só pode realizá-la na universidade. Por isso, conforma-se com uma bolsa de doutorado de R$ 3 mil, sem férias, sem 13º, sem vale-alimentação, sem nada. E com exigência de dedicação exclusiva.
Aluna do programa de pós-graduação em Engenharia Mecânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), investiga como tornar usinas termelétricas mais eficientes, o que significaria gastar menos carvão e emitir menos poluentes no ambiente, um projeto com benefícios óbvios para a sociedade.
Por tudo isso, não esconde a decepção com a maneira como costuma ser avaliada no ambiente brasileiro:
– Uma coisa que me incomoda é acharem que eu não trabalho. Dizem: "Ah, tu só estudas". Não! Estudar é um trabalho. Existe muito esse preconceito no Brasil, as pessoas têm um pensamento atrasado. Inclusive familiares dizem isso, perguntam "Quando é que tu vais começar a trabalhar?" É por essa razão que se fala tanto em cortar bolsas e pesquisas, porque têm muita gente que acha isso bom, que acha que pesquisa é dinheiro jogado fora. Não é verdade, os países que mais cresceram foram os que investiram em educação.
Natália começou o doutorado no ano passado. Dentro de uma investigação mais ampla sobre como melhorar a eficiência em uma termelétrica, realizada por diferentes professores e pós-graduandos, ficou encarregada de estudar a questão das emissões.
A meta é desenvolver um modelo computacional que, uma vez alimentado pelos dados da usina, calcule por meio de inteligência artificial quais são as condições ideais para ela operar. “Essa pesquisa tem como objetivo aumentar a qualidade do ar e a eficiência energética das usinas que produzem eletricidade a partir do carvão. Dessa forma, estamos trabalhando para que o sistema elétrico brasileiro tenha mais confiabilidade na entrega da energia elétrica e reduza cada vez mais impactos no meio ambiente”, escreveu a doutoranda, no texto que enviou a ZH para explicar o que faz.
Para ter acesso a dados reais, a universidade firmou parceria com a Usina do Pecém, em operação no Ceará. Mas Natália afirma que, uma vez desenvolvido o modelo computacional, ele também poderia ser utilizado por outras termelétricas, multiplicando os benefícios. Bastaria alimentar o programa com os dados da usina em questão – como tamanho da caldeira, temperatura, quantidade de carvão – para ele calcular a otimização.
O bolsista sai muito, muito barato, para aquilo que desenvolve.
NATÁLIA WEBER
Bolsista de doutorado da Capes
– Com a inteligência artificial a ideia é, a partir dos dados da planta, chegar na melhor temperatura, com menor uso de carvão, menos uso de água, o que consequentemente significa menos custo e menos emissões, melhorando a qualidade do ar – explica.
Essa é uma área ainda incipiente no Brasil, mas que já dá resultados em usinas de países desenvolvidos, onde computadores potentes estão processando informações para fazer as unidades operarem com máxima eficácia. No Exterior, no entanto, as termelétricas terceirizam essa pesquisa, contratando empresas especializadas. No Brasil, onde a ciência está concentrada em universidades, muitas vezes são doutorandos como Natália que realizam esse tipo de experimento científico – em troca de um bolsa modesta.
– O bolsista sai muito, muito barato, para aquilo que desenvolve. Lá na graduação, pensei em trabalhar na área de pesquisa e desenvolvimento de uma empresa, mas são poucas que têm isso. Pesquisa não é uma coisa bem vista no país, não é uma área onde se coloca grana, então fica dentro só das universidades. Optei pelo doutorado por isso, por paixão. Um corte na bolsa comprometeria essa opção, e eu teria de deixar de lado ou pesquisar só nas horas livres – afirma a engenheira.
Veja outros quatro relatos
Ao iniciar a graduação em Engenharia da Computação na Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), Nathalia Esper, hoje com 26 anos, sonhava em usar os conhecimentos adquiridos na faculdade para ajudar as pessoas, só não sabia como.
Porque a bolsa que recebe da Capes cobre só a mensalidade do mestrado, a farmacêutica Ana Paula Anzolin, 25 anos, bateu de porta em porta para viabilizar sua pesquisa. Ela quer responder se a chamada ozonioterapia tem mesmo alguma eficácia.
Em Passo Fundo, uma mestranda de 24 anos, Francine de Souza Sossella recebe bolsa de R$ 2,6 mil (que se transformam em R$ 1,5 mil depois de paga a mensalidade) e vislumbra a possibilidade de gerar etanol barato com algas reproduzidas em tanques.
O médico gaúcho Wyllians Vendramini Borelli, 27 anos, doutorando ligado ao Instituto do Cérebro da PUCRS, participa do esforço científico internacional para derrotar o Alzheimer estudando pessoas saudáveis.
* Colaborou Valeska Linauer